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São Paulo, domingo, 14 de setembro de 2003

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GILBERTO DIMENSTEIN

Experimenta. Experiment. Experi. Exp. Ex...

Indagados sobre os três principais problemas que os fariam tirar os filhos da escola, 16 mil pais, todos de classes A e B -e, portanto, supostamente bem informados-, fizeram a seguinte lista: drogas (69%), aumento das mensalidades (44%) e pouco rigor na disciplina (35%).
Preparada pelo Sistema Anglo de Ensino, essa pesquisa, divulgada na quinta-feira, revela como os pais estão apavorados e desinformados. Apavorados com a disseminação das drogas. Desinformados por não conhecer os riscos para a saúde de seus filhos.
A desinformação está no fato, comprovado estatisticamente, de que o consumo do álcool provoca mais -e cada vez mais- estragos entre os jovens do que as drogas. Está associado a acidentes de trânsito e a homicídios. Mas a bebida é tolerada socialmente e estimulada pela publicidade.
Nestas últimas semanas, ícones da juventude vêm bombardeando as pessoas por todos os lados com o bordão "Experimenta. Experimenta. Experimenta" para promover uma cerveja. Usam os recursos de marketing, com todos os seus requintes, para dizer, em essência, que, se você não experimentar, vai estar "por fora". Não é preciso ser um estudioso de psicologia para avaliar como tal tipo de mensagem atinge a auto-estima do jovem, sempre aberto a experimentações.
Depois da gritaria, uma rápida frase do anunciante, quase clandestina, silenciosa, sugere a quem tem menos de 18 anos que não experimente.


A Folha revelou estudo feito pela Universidade Federal de São Paulo que aponta que as crianças e adolescentes não encontram nenhuma dificuldade para comprar álcool. Nem nas proximidades das escolas. Segundo o trabalho, 90% dos donos de bares não se interessam pela idade de quem está comprando a bebida.
O estudo está focalizado em Paulínia, cidade do interior de São Paulo transformada em laboratório da universidade. Os pesquisadores acompanharam 126 pessoas atendidas no pronto-socorro, vítimas de quedas, brigas ou acidentes de trânsito. Todas -não é exagero, todas- estavam sob o efeito do álcool.


Condenar a propaganda é uma saída óbvia. "Muitos dos meninos entrevistados disseram que as propagandas de álcool os encorajavam a beber", escreveu, na Folha, a psicóloga Ilana Pinsky, com a autoridade de quem trabalha em um ambulatório (na Universidade Federal de São Paulo) que trata só de jovens vítimas do abuso do álcool. "No Brasil, onde o preço de um litro de pinga é comparável ao de um litro de leite e é raríssimo um menor de idade ter dificuldade de adquirir qualquer bebida alcoólica, o consumo do produto tem apresentado tendência de crescimento."


Seria ótimo se bastasse conscientizar pais, enquadrar publicitários ou punir donos de bares. Mas limitar a propaganda sem oferecer um projeto de esclarecimento, a ser implantado a partir da família e da escola, é tão eficaz quanto proibir a venda de abridores de garrafa para coibir o consumo. Não funciona.
Já se sabe que ficar papagueando tenebrosamente, num tom moralista, que beber faz mal produz baixa resposta. Até porque as pessoas bebem porque dá prazer -e os jovens tendem a acreditar que viver seja buscar prazeres, ainda mais numa sociedade que reverencia a química do hedonismo com o consumismo.


As melhores experiências de prevenção feitas em várias partes do mundo são as que não demonizam a droga ou a bebida, mas valorizam a vida e enfatizam que a alegria está em sentir-se criando sempre -de amizades a viagens, passando por músicas ou livros.
É o que se chama educação de valores, baseada no respeito a si e aos outros, na importância da independência individual e da consideração ao coletivo. Quem reverencia a independência individual não perde a perspectiva de futuro e cuida de sua auto-estima pode experimentar o que quiser e quando quiser, que sempre terá uma voz interna a recomendar-lhe cautela.


Os resultados positivos dessas experiências vêm da aposta de que se deve educar menos pelo medo da morte e mais pelo prazer da vida -exatamente, aliás, como fazem os publicitários, que não associam bebida a nada sombrio, mas aos encantos de uma praia num dia de sol.


O problema é que estamos no meio de um porre social: governos omissos sem um programa educacional, sociedade tolerante, pais desinformados e geniais publicitários livres para associar a bebida a vigor, sexualidade e liberdade. Para completar a combustão, jovens ensinados que a suprema vivência humana está em consumir.
Não é preciso experimentar nada para saber como isso acaba.


PS - Está no site do Aprendiz (www.aprendiz.org.br) uma série de artigos sobre o tema "álcool, drogas e juventude", que mostram experiências realizadas dentro e fora do Brasil. Entre eles, encontra-se o artigo de Ilana Pinsky, que considero leitura obrigatória.

E-mail - gdimen@uol.com.br

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