São Paulo, quinta-feira, 14 de outubro de 2004

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GUERRA SEM TRINCHEIRA

Traficante mais procurado do Estado, Gangan foi cercado em favela; chefe da Polícia Civil comandou ação

Líder da ADA é morto pela polícia no Rio

MARIO HUGO MONKEN
DA SUCURSAL DO RIO

O traficante mais procurado do Rio, Irapuan David Lopes, o Gangan, foi morto na manhã de ontem por policiais civis no morro de São Carlos (Estácio, zona central), seu principal reduto. Ele tinha 34 anos.
A ação foi comandada pessoalmente pelo chefe da Polícia Civil, delegado Álvaro Lins, que decidiu ir à favela por temer que haveria vazamento de informações.
Lins disse não ter dúvidas de que Gangan tinha informantes dentro da polícia.
Líder da facção criminosa ADA (Amigo dos Amigos), Gangan dominava o tráfico em pelo menos oito favelas cariocas e de Niterói (cidade a 15 km do Rio), além de ser o principal fornecedor de drogas e armas para a favela da Rocinha (São Conrado, zona sul).
Ele foi apontado como responsável pelo ataque ao prédio da Prefeitura do Rio de Janeiro, em junho de 2002, quando a fachada do edifício foi atingida por cerca de 150 tiros de fuzil. Na época, o prefeito Cesar Maia chegou a pedir a decretação de estado de defesa -medida que permitiria a prisão de suspeitos sem a necessidade de flagrante ou ordem judicial- no Rio.

Tiroteio
De acordo com Álvaro Lins, Gangan estava escondido em uma casa que pertencia a uma de suas namoradas. Por volta das 6h, nove policiais cercaram o imóvel e viram o traficante descendo as escadas.
Ao perceber a presença de policiais, Gangan, que estava armado com uma pistola, tentou fugir. Na mesma hora, cúmplices do traficante fizeram vários disparos em direção aos policiais.
Na troca de tiros, Gangan foi baleado na barriga e nas costelas. Chegou a ser levado por policiais para o hospital Souza Aguiar (centro), onde morreu.
Durante o trajeto até o hospital, o traficante chegou a dizer: "Meu Deus, me ajude", segundo o relato de policiais.
Depois que ele foi ferido, policiais ouviram pelo radiotransmissor de Gangan que seus cúmplices tentariam resgatá-lo.
O próprio Álvaro Lins pediu reforço policial pelo rádio, e a favela foi toda cercada por policiais militares do Bope (Batalhão de Operações Especiais) e do Batalhão de Choque.
No confronto, David Gonçalves Vieira, 18, que voltava de uma festa, foi atingido por uma bala perdida na coxa esquerda. Ele não corre risco de morte.

Protestos
A morte de Gangan fez com que traficantes ordenassem o fechamento do comércio nas imediações do morro do Querosene (Rio Comprido, zona central). Duas escolas municipais no bairro também não funcionaram.
Os policiais que participaram da operação deverão ser promovidos, segundo a Secretaria de Segurança Pública.
A operação que resultou na morte do traficante foi resultado de uma investigação conjunta da 22ª Delegacia de Polícia (Penha, zona norte) e do Serviço de Repressão a Entorpecentes da Zona Oeste, iniciada há aproximadamente três meses.
De acordo com o titular da 22ª Delegacia, Ricardo Hallak, há 15 dias os policiais descobriram que Gangan estava freqüentando a casa para encontros amorosos e passaram a monitorá-lo.
O mesmo imóvel onde ele foi morto já havia sido vasculhado numa busca policial há cerca de dois meses.
L. O. A., apontada como a dona da casa e namorada de Gangan, chegou a ser detida pela polícia, mas foi liberada depois. Seu advogado, Fuad Zacarias, negou que ela tivesse envolvimento com o traficante.
O policiamento foi reforçado em todo o complexo de São Carlos para evitar manifestações violentas pela morte do traficante. Até o final da tarde, o corpo de Gangan permanecia no Instituto Médico Legal (IML). O enterro deverá ser hoje.

Assistencialista
Além do complexo de São Carlos e do morro do Querosene, Gangan também comandava o tráfico nos morros da Coroa (Catumbi, zona central), Azul (Flamengo, zona sul), dos Macacos (Vila Isabel, zona norte), da Serrinha (Madureira, subúrbio) e do Estado (Niterói).
O traficante, que fugiu da cadeia em 1989 e não foi preso desde então, tinha também influência na Rocinha e em favelas de Macaé (município a 188 km da capital fluminense).
Somente no complexo de São Carlos, faturaria R$ 200 mil por semana com a venda de drogas, segundo estimativas da polícia.
Sua ascensão no tráfico ocorreu na década de 1990, com a prisão do traficante Adílson Balbino, então chefe no São Carlos. No ano passado, Balbino foi solto e acabou morto a mando de Gangan.
O líder do ADA adotava uma política assistencialista nas favelas que dominava. Anteontem, ele organizou uma festa do Dia das Crianças no São Carlos.
O traficante também era violento. Em 12 de julho, por exemplo, ordenou que matassem e esquartejassem Celso Rui Timóteo, 19, e não permitiu que a polícia subisse o morro para resgatar o corpo.
O pai da vítima teve de remover o cadáver do filho em um carrinho de supermercado.


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