São Paulo, sábado, 15 de dezembro de 2001

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SEGURANÇA

Barba, Palazzo e Silva, três dos cinco policiais investigados, afirmam que acabaram com o tráfico na cracolândia

Acusados dizem ter sido "crucificados"

GILMAR PENTEADO E
IURI DANTAS
DA REPORTAGEM LOCAL

Em meio a choro, revolta e pouca modéstia, os investigadores de polícia Guilherme Barbosa Palazzo, 35, Hélio Carlo Barba, 37, e Alessandro Ramos da Silva, 25, negaram ontem ser os comandantes do tráfico de drogas na região da cracolândia.
Imagens e depoimentos divulgados pelo Ministério Público anteontem apontam cinco policiais como suspeitos de tráfico, agressão e extorsão de dinheiro.
Em uma entrevista à Folha de quase duas horas, antes de ser decretada a prisão preventiva dos cinco policiais, Palazzo, Barba e Silva afirmaram que receberam "uma punhalada pelas costas" do diretor do Denarc, Marco Antonio Ribeiro de Campos, e que estão sendo "crucificados" porque "acabaram com o tráfico".
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Folha - O que aparece naquelas cenas e fotografias?
Guilherme Palazzo -
Eu vou ser honesto com você e não vou ser modesto. Somos responsáveis pela extinção do tráfico na cracolândia. Tudo aquilo que vocês conheceram dois anos e meio atrás, aquele monte de gente fumando cachimbo, tudo se extinguiu.

Folha - E as denúncias de tortura e agressão?
Palazzo -
Pergunta para os comerciantes quem somos, não para traficante ou para viciado. Acabamos com a casa deles. Vai falar para mim se sou educado com traficante? Não sou educado. Falo alto mesmo. Vou ser educado? Eu não sou é violento.

Folha - Mas, então, por que a Promotoria levanta essa suspeita?
Palazzo -
Acredito que apertamos o calo de alguém.

Folha - De quem?
Palazzo -
Não faço idéia. Alguém não gostou, não sei quem. Não vou fazer a mesma coisa que esse pessoal: dar nomes sem ter provas. Estão dizendo que a gente não sai de lá, faz tudo escrachado na rua, mas ficam durante 30 dias e não conseguem pegar uma filmagem provando. Estou falando da minha equipe.

Folha - Como assim?
Palazzo -
A filmagem mostrava a nossa equipe abordando pessoas, porque é o que a gente faz. É determinação do diretor essa ronda. Somos do SOE [Setor de Operações Especiais do Denarc" e cumprimos um plantão de dia e outro à noite. Estou me sentindo apunhalado pelas costas pelo meu próprio diretor.

Folha - Qual diretor?
Palazzo -
O Marco Antonio [Marco Antonio Ribeiro de Campos, diretor do Denarc". Ele me chamou de ordinário. Meu pai nunca me xingou. Ele disse também que não existe controle, mas existe ali a maior concentração de carros de polícia do mundo. O próprio diretor passa lá de madrugada e, se não vê a viatura, a primeira coisa que ele faz é ligar para o Cepol (central da polícia).

Folha - Ele vai frequentemente à cracolândia?
Palazzo -
Vai direto. Se não é ele, pelo menos algum chefe.

Folha - Com que frequência?
Palazzo -
Pelo menos uma vez por mês. É uma cobrança muito grande para não sairmos de lá. Eu não entendi até agora por que ele não explicou isso. Você tem uma imagem que é duvidosa da outra equipe, não vamos negar. Cá para nós, a imagem é duvidosa? Não vamos negar, é. Mas e nós? Ficaram lá 30 dias e não conseguiram uma cena duvidosa.

Folha - Mas a cena do Barba em um carro entregando uma espécie de envelope para uma mulher?

Hélio Carlo Barba - É difícil quem não tenha meu telefone naquela região, principalmente as pessoas que querem conversar, mas não podem naquele momento porque ficam temerosas.

Folha - Vocês não trabalhavam com o José Carlos de Castilho?
Palazzo -
Não tem nada a ver conosco.

Barba - Eu não entendia por que na entrevista o diretor não foi claro em dizer que o Castilho pertence a uma delegacia e que nós somos do SOE. Esclarecer isso era o mínimo que ele deveria ter feito.

Folha - O diretor do Denarc disse que foi um "marido traído".
Palazzo -
O diretor acompanha direto o que está acontecendo.

Barba - O nosso chefe imediato ronda, o nosso chefe de operação ronda, o delegado-assistente ronda, o delegado titular ronda e o diretor ronda. Eles têm de estar cientes do que está acontecendo na cracolândia.

Folha - E as cenas de violência?
Palazzo -
Tem uma cena em que eu apareço com a arma na mão. Mas o policial não aborda sem arma. Aqui não é a Inglaterra.

Folha - E a cena do extintor?
Barba -
Esse jato é de água, não é espuma. Normalmente, eles [viciados" usam um artifício: "vou me incendiar". Porque eles têm muito medo de irem presos.

Folha - Mas é o senhor na foto?
Barba -
Provavelmente.

Folha - Ela queria se incendiar?
Barba -
Eles colocam o fogo na própria roupa. Se ouvirem a vítima, ela vai confirmar que é água. Sem tirar o mérito de ninguém, mas é só perguntar para policiais do SOE e para o próprio Denarc quem acabou com a cracolândia. Nossa presença é um incômodo para os traficantes, os viciados...

Alessandro Ramos da Silva - Travestis que andavam pelados na rua.

Barba - Muita gente está incomodada com a presença do Barba na cracolândia.

Silva - O viciado, o traficante e o travesti estavam tranquilos fazendo aquele auê na rua. E de repente isso acaba...

Folha - E a história da tortura usando espingarda de chumbo?
Barba -
Existe um estigma em cima do Barba porque o Barba faz maior quantidade de flagrantes, o Barba está todo dia na cracolândia. Eles brigam entre si e se alguém pergunta quem foi que bateu eles dizem: o Barba.

Folha - Vocês entregaram as armas?
Palazzo -
Nós trabalhamos contra traficantes quatro anos e agora estamos desarmados. Nós já fomos crucificados. Eu fui escorraçado como um vagabundo.


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