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Gente que leva dólares nossos para Nova York
MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas
Disseram que os federais
(policiais federais) pegam todo
mundo no aeroporto, que fazem blitz com violência, vasculham malas à cata de contrabandistas. Disseram que é
preciso declarar tudo o que se
traz (acima de US$ 500) em
compras do estrangeiro. Que
criaram um formulário especial para isso. Um terror.
Todo mundo arrancando as
etiquetas das roupas compradas na Macy's, na Century 21,
esses grandes magazines americanos, dando uma amarfanhada nos pares de tênis, escondendo relógios dentro de
meias. Cena ridícula, revoltante, como se a derrama de
dólares "brasileiros" do território nacional para fora fosse
obra desses turistazinhos de
quinta categoria. Todo mundo
ali tinha levado pouco mais de
mil dólares para visitar o Empire State Building, a Estátua
da Liberdade, o World Trade
Center e suas torres de 147 andares, essas bobagens que
americano constrói para dizer
que está "no topo do mundo".
É claro que havia ali, entre
os turistas, toda uma família
de deslumbrados de classe média mediana brasileira, carioca, com sotaque padrão da Rede Globo de televisão -toda
uma família de sneekers (tênis), o pai, a mãe, o menino de
uns 10 anos. Toda uma família
de consumidores de bugigangas americanas, que acha o
máximo viajar para Nova
York, uma gente lamentável.
Ora, mas também havia uns
que vinham de um passado
miserável no Brasil inóspito.
Tinham levado a infância comendo os caranguejos duros
do mangue, as cascas, as patas,
a bosta do bicho. Tinham visto
do queijo-do-reino apenas a
lata vazia, que servia de cuia
para cegos esmolarem pelas
feiras do sertão -quer dizer,
gente que nunca tinha comido
uma única fatia do queijo-do-reino, o queijo que os ricos comiam em sua infância.
Aí o sujeito tinha conseguido
dar uma subidinha na vida,
realizar algum estudo, guardar algum troco para umas férias em Nova York e vinha o
governo, a Polícia Federal e a
alfândega aporrinharem sua
vida, sua viagem, como se fosse
ele o ladrão do tesourozinho
nacional. Droga de país.
Imagine que em Nova York
as pessoas sentem um certo
cuidado (para não dizer um
carinho) do Estado (da sociedade organizada) para com
elas. O cidadão está parado na
plataforma do metrô, esperando o trem, quando soa de repente, consoladora, a voz do
locutor: "Your security is important to us. Be ware of pickpockets. Do not carry your
wallet in the rear pocket (sua
segurança é importante para
nós. Cuidado com os batedores
de carteira. Não carregue a
carteira no bolso de trás da
calça)". Ora, cuidados de mãe!
Basta isso para o cidadão
médio e normal (com exceção
do batedor de carteira, é claro)
se sentir cuidado, respeitado,
para confiar que os impostos
que paga revertem em algum
benefício para si.
Droga de país esse Brasil. A
diferença entre Nova York e
São Paulo, por exemplo, é que
aqui até você é tratado como
um batedor de carteira (do tesouro, das "reservas" nacionais), um marginal sujeito à
violência e à hipocrisia da autoridade corrupta, ladrona.
E-mailmfelinto@uol.com.br
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