São Paulo, domingo, 16 de junho de 2002

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EDUCAÇÃO

Faltam vagas para 46% das crianças e dos jovens em idade escolar em uma das maiores favelas de São Paulo

Governos deixam Paraisópolis sem escola

GABRIELA ATHIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

A família de Cláudia dos Santos Silva, 30, tomou uma decisão incomum para quem mantém quatro filhos com R$ 280 por mês: gastar 45% da renda familiar com transporte escolar para assegurar que duas das crianças estudem.
Antônio Carlos, 8, e Grazieli,11, da família Santos Silva, e outras 1.700 crianças em idade de cursar da 1ª à 8ª série da favela de Paraisópolis, zona sul, não conseguiram vaga nas escolas públicas locais. A maioria também não conta com transporte escolar gratuito.
Grazieli estuda no Brooklin, a dez quilômetros de casa. Antônio, no Itaim-Bibi, que fica à mesma distância. Em Paraisópolis, uma das maiores favelas de São Paulo, há 14.000 habitantes entre sete e 18 anos e apenas cinco escolas, com 8.800 vagas, contado o ensino fundamental (de 1ª à 8ª série) e o médio (antigo segundo grau).
Natália Amorim, 5, balança a cabeça para responder que não está na escola. A mãe dela, Creuza Gomes, 25, tenta mudar de assunto para distrair, em vão, a garotinha. Natália chora.
As lágrimas têm motivo: seus irmãos Natasha, 7, e William, dez meses, vão para a escola todos os dias. Natália fica em casa sem ter com quem brincar. "Ela não teve sorte", diz a mãe, fazendo com que a menina chore ainda mais.
Natália é uma das 3.500 crianças de quatro a seis anos de Paraisópolis que poderiam estar em creches ou pré-escolas. Mas apenas 700 são assistidas pelas quatro creches (três das quais são mantidas com dinheiro de empresas).
Esses números todos mostram que, do total de crianças e jovens em idade de ir da pré-escola ao ensino médio (17.500), 46% não podem estudar no bairro.
A informação sobre a população e os alunos que estudam fora da comunidade é do Fórum Multientidades de Paraisópolis, que reúne 16 instituições públicas e privadas que atuam no local.
O dossiê sobre a falta de vagas recém elaborado por esse fórum resume a luta da comunidade, formada basicamente por operários de origem nordestina, para que seus filhos estudem.
A situação ficou ainda mais grave neste ano, quando uma parte do terreno da escola municipal Paraisópolis 2 (uma das escolas metálicas construídas emergencialmente no final de 2000) despencou por causa das chuvas e 6 das 11 salas foram interditadas.
Em março de 2001, pouco depois da inauguração do prédio, a direção da escola enviou um ofício ao Núcleo de Ação Educativa 5 (antiga delegacia municipal de ensino), solicitando a construção de um muro de arrimo porque a erosão provocada pelas chuvas estava comprometendo a estrutura do prédio. Não adiantou.
Agora, para "compensar" as classes interditadas, a direção adotou um sistema de "rodízio" entre os 1.080 alunos. A cada duas horas, uma turma entra em classe para estudar. A medida reduziu a jornada escolar de quatro horas para duas horas.
Do ponto de vista de infra-estrutura, o improviso é uma das marcas das escolas públicas de Paraisópolis: 40% dos alunos estudam em escolas "emergenciais", feitas de alumínio.
Pelas contas do fórum, seria preciso construir duas escolas de 1ª à 8ª série para atender as 1.700 crianças de sete a 14 anos, que ou estão fora da escola ou estudam fora da comunidade. Para as de quatro a seis anos, seriam necessárias seis pré-escolas.
Mônica Mation, do fórum, explica que, como a prefeitura e o Estado não dispõem de um cadastro único de alunos (exceto para a 1ª série do ensino fundamental), é difícil saber quantos estudam fora de Paraisópolis e quantos estão realmente fora da escola.
No entanto, levantamento recente do fórum mostra que há pelo menos 398 alunos de 1ª à 4ª série sem acesso a vaga escolar.
Se a Prefeitura de São Paulo e o Estado cumprissem a Constituição, pelo menos os pais dos alunos de sete a 14 anos não precisariam lutar por vagas. A lei obriga o poder público a oferecer o ensino fundamental a todas as crianças dessa faixa etária.
Caso a escola esteja localizada a mais de dois quilômetros da residência, o aluno tem direito a transporte gratuito.
Em outubro de 2000, o juiz Rodrigo Lobato Junqueira Enout, da Vara da Infância, determinou que os dois governos pagassem escola particular às crianças de Paraisópolis que não tivessem conseguido vaga no bairro. Também determinou a oferta de transporte escolar para os que morassem a mais de 2 km da escola.
Após a sentença, a solução encontrada pela prefeitura foi construir mais uma escola emergencial metálica no local, a Paraisópolis 2 -aquela que despencou.


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