São Paulo, domingo, 16 de junho de 2002

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SAÚDE
Psiquiatria quer integrar tratamento

AURELIANO BIANCARELLI
FABIANE LEITE

DA REPORTAGEM LOCAL

O paciente de 50 anos se queixa de dores no peito e tem a pressão arterial elevada. O médico quer saber o histórico familiar, como são as dores. Receita um anti-hipertensivo, recomenda diminuir o álcool e o sal e pede exames.
O médico fez o que devia, mas esqueceu uma pergunta fundamental: como vai a família? Se tivesse perguntado, saberia que o paciente vinha passando mal desde que soube que o filho adolescente tinha abandonado a escola e estava usando cocaína.
As dores e a alteração de pressão eram, em parte, reflexo do desespero do pai. Uma conversa e um encaminhamento seriam tão ou mais importantes que os exames e os anti-hipertensivos.
O caso desse paciente é apenas um dos muitos relatados no 7º Congresso Brasileiro de Psiquiatria Clínica e no 2º Congresso Paulista de Psiquiatria Clínica, que terminam neste domingo em Campinas, São Paulo.
O que está em pauta no congresso é a tese -já defendida por uma parcela dos médicos- de que o componente psiquiátrico e psicológico está presente em muitas enfermidades. Não se trata apenas de uma visão psicossomática (que abrange os problemas físicos desencadeados ou agravados pelas emoções), mas da necessidade de os especialistas entenderem o básico de psiquiatria, e de os psiquiatras compreenderem outras especialidades.
Há três anos, a Sociedade Brasileira de Psiquiatria Clínica vem oferecendo cursos a outros médicos devido a essa preocupação (leia texto na página). "Há cinco anos, essa integração não podia sequer ser imaginada", diz Eurico Pereira Neto, 50, presidente da Sociedade Paulista de Psiquiatria Clínica. Apesar das mudanças, ele diz que a maioria dos médicos ainda não está atenta a fatores que extrapolam sua especialidade. "Um paciente que passe por dez médicos com queixa de estresse, diz que está dormindo mal e desinteressado no trabalho, sairá com dois ou três medicamentos, mas nenhum deles perguntará como vai sua vida sexual", diz.
O presidente do congresso, Dorgival Caetano, professor titular do Departamento de Psiquiatria da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), diz que um caso leve de depressão, por exemplo, pode ser tratado por qualquer especialista médico, desde que ele esteja preparado. Diante de um problema grave, o médico pode encaminhar o paciente ao psiquiatra.
"Mas médicos não psiquiatras ainda têm um certo preconceito em relação ao transtorno mental. A depressão, por exemplo, é vista como fraqueza", diz Caetano. Alguns profissionais temem a reação do paciente a uma sugestão de consulta ao psiquiatra- algumas pessoas podem se sentir estigmatizadas diante dessa sugestão.
Os transtornos mentais podem ser o "gatilho" ou o agravante de problemas de saúde. Também podem afetar a evolução de uma doença ao prejudicarem o segmento do tratamento pelo paciente. Mas nunca, isoladamente, causam um problema físico.
Um exemplo: dois grupos de pacientes com câncer foram acompanhados nos EUA. Um tinha depressão severa, outro não. Os índices de mortalidade em cinco anos de acompanhamento foram até duas vezes maiores no grupo que tinha a doença psiquiátrica associada ao câncer.
Várias das mesas do congresso chamam a atenção para a depressão, que atinge 5% da população de forma silenciosa e devastadora. Quando não diagnosticada e não medicada, pode levar ao suicídio. Ou agravar uma série de outras doenças.
A dor é outro tema em destaque. Pereira relata a experiência própria de um câncer diagnosticado quatro anos atrás e que ,durante um ano, provocou grande sofrimento. "Fui cuidado por excelentes profissionais. Mas a dor, que para mim foi um grande tormento, para esses especialistas era apenas um detalhe."



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