São Paulo, sábado, 16 de julho de 2005

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LETRAS JURÍDICAS

Acidente do trabalho: jurisprudência preocupante

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

No julgamento de conflito negativo de competência entre o extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais e o Tribunal Superior do Trabalho, o STF (Supremo Tribunal Federal), na sessão do final de junho, mudou orientação adotada dois meses antes, na qual afirmara a competência da Justiça estadual para julgar questões de dano moral e material por efeitos de acidentes do trabalho. No reexame do tema, o STF acolheu por unanimidade voto do ministro Carlos Brito, que, em substancial sustentação doutrinária e constitucional resultou vencedor, pela competência da Justiça do Trabalho.
A decisão, independente da alta qualidade dos pronunciamentos, foi, em parte, estimulada por informações prestadas por magistrado do Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, sediado em Minas Gerais, em favor da Justiça especializada em que atua, afastando a civil, de competência reconhecida há decênios.
A nova opção do STF tem um lado preocupante, pois, embora pareça favorável aos trabalhadores, pode ser gravemente prejudicial para eles, como conseqüência da avaliação estatística a qual os ministros da Suprema Corte foram levados. Pense o leitor que se a competência para aquelas questões acidentárias for mudada, isso significará que os respectivos processos correrão apenas em varas do trabalho. Ora, o número de varas do trabalho é incomparavelmente menor que o das varas cíveis da Justiça estadual. Assim, transferida a competência, o prejuízo dos trabalhadores decorrerá da distância física entre eles, onde quer que seja seu domicílio e a vara trabalhista, mais o agravamento do acúmulo repentino de processos sobre as relações de emprego.
Tomemos o exemplo dos Estados de São Paulo e de Minas, os quais em conjunto reúnem entre 55 e 60 milhões de habitantes, um terço da população brasileira. Os mineiros se distribuem em mais de 850 municípios e os paulistas, em quase 650. O município é a unidade política na qual se dividem os Estados. A unidade judicial é a comarca. Em todos os Estados o número de comarcas, onde operam as varas judiciais e seus juízes, é inferior ao de municípios. Mesmo em São Paulo há pouco mais de 300 comarcas. Significa a existência de mais de 300 municípios sem um juiz ali residente, para questões cíveis ou criminais.
Em Minas há mais de 500 municípios integrados a comarcas, cuja sede está em outro município. Na Justiça do Trabalho a restrição é maior, com suas 120 varas especializadas, situadas em maior parte na região metropolitana de Belo Horizonte. Em mais de 700 cidades o trabalhador residente no município não terá acesso direto para questões acidentárias de dano moral ou material.
Ora, a distância até a vara do trabalho em outro município complicará e tornará mais lenta e mais cara a defesa. Pense o leitor que estamos falando do trabalhador doente ou acidentado, a contar de seu domicílio, sempre mais próximo da vara cível que da vara do trabalho. Quanto maior a distância a percorrer, na variada disponibilidade de acesso por meios públicos de transporte em entradas de boa qualidade, será maior a dificuldade do trabalhador.
Os motivos de técnica processual que inspiraram o STF a transferir a competência para a Justiça do Trabalho são expressivos. Seduzidos pela tese de que há varas do trabalho em número suficiente pelo Brasil afora, os ministros parecem ter optado por caminho destinado a prejudicar grande número de trabalhadores brasileiros.


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