São Paulo, sábado, 16 de dezembro de 2006

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Para especialistas, milícia significa "barbárie" e "falência do Estado"

DA SUCURSAL DO RIO

Ex-diretora da Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública) no atual governo, a antropóloga e cientista política Jacqueline Muniz avalia que a ação das milícias nas favelas cariocas é uma volta à barbárie.
"Quando você tem a proliferação desses mecanismos, estamos diante do vigilantismo. E o vigilantismo é o sinal da falência da segurança pública. É cada um por si e Deus por todos. Isso significa que é o retorno à barbárie", afirmou ela, que foi coordenadora de Segurança Pública do governo fluminense na gestão de Anthony Garotinho (1999-2002).
No artigo "A Ameaça da Proteção" (de agosto de 2006), parceria com o professor e engenheiro Domício Proença Júnior, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Muniz sustenta que "proteger não é prover segurança".
"A base de seu funcionamento é a ameaça concreta e constante. Conduz à sujeição dos indivíduos, ao abandono das garantias individuais e coletivas. A lógica da proteção, incapaz de promover a segurança coletiva, introduz o medo como conselheiro, a violência como cotidiano e o terror como horizonte", diz o texto.
Para Muniz, a milícia exerce "a mesma tirania, da mesma natureza e grau, do tráfico".
"Ali o Estado não se faz presente, ali não tem segurança pública. Você fica ao sabor das apetites, taras e manias dos tiranos da ocasião", diz ela. "Essa é uma receita do desastre, do caos. Porque no limite você também tem o direito à sua vida. No mundo da proteção, você não tem justiça, tem justiçamento. Nesse universo, as pessoas estão sujeitas, subjugadas. Por isso o silêncio, o medo permanente. É a lógica do terror."

Lei do mercado
O geógrafo Jaílson de Souza e Silva coordena o Observatório de Favelas, entidade que apresentou em novembro os resultados da pesquisa "Caminhada de Crianças, Adolescentes e Jovens no Tráfico de Drogas no Rio de Janeiro". Criado no complexo da Maré, onde a entidade funciona, ele afirma estar muito preocupado com o crescimento da área de atuação das milícias e sua chegada às comunidades da região.
À Folha, disse que as milícias, a partir da delimitação do território, submetem os moradores à forma como atuam, cobrando por segurança e transportes, por exemplo. Para ele, que leciona na UFF (Universidade Federal Fluminense), a fixação da milícia numa comunidade atesta "a falência do Estado e da cidadania".
O diretor do serviço Disque-Denúncia, Zeca Borges, rotula o problema das milícias como "o mais grave" da segurança pública da região metropolitana hoje. Às corregedorias da Policia Civil e da PM seguem as denúncias telefônicas recebidas pelo serviço, que, patrocinado pelo empresariado, funciona de modo independente da Secretaria de Segurança. "O que rege essas milícias é a lei do mercado", afirmou. (ST)


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