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MOACYR SCLIAR
Que inveja dos macacos
De que adiantara a evolução, as premissas do darwinismo, se eles se sentiam tão abandonados e desprezados?
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O casamento de dois macacos atraiu 3.000 pessoas na região de Ghanteswara, próxima da capital do estado de Orissa, no leste da Índia. A multidão presente na cerimônia foi recebida com um banquete de arroz, lentilhas, verduras, peixe e doces. Além disso, o "casal" recebeu vários presentes dos convidados, inclusive
um colar de ouro para a noiva, dado por um comerciante da região. Os "noivos"
haviam sido criados por duas famílias diferentes como animais de estimação.
Eles eram mantidos presos por correntes antes do casamento, mas foram soltos depois da cerimônia. O casamento entre os animais é visto como um evento
espiritual que traz benefícios para a comunidade; mas os donos dos "noivos"
afirmaram que os tratavam apenas como
animais domésticos e que a decisão de
casar os macacos é fruto apenas do afeto
que sentiam pelos animais. A macaca
"noiva" estava vestida com um longo sari
vermelho. Já o "noivo", o macaco Manu,
foi levado ao templo em uma procissão
na companhia de centenas de animados
espectadores. Havia música, fogos de artifício e danças. Folha Online, Cotidiano
QUE ELES SE AMAVAM , ninguém
duvidava; era um ardoroso
casalzinho de namorados,
sempre aos beijos e abraços, sempre
trocando segredinhos. Mesmo assim, quando anunciaram que iriam
se casar, as famílias não receberam a
notícia com muito entusiasmo.
A razão era mais do que óbvia; tratava-se de gente do interior, gente
pobre, muito pobre. Por outro lado,
tanto o rapaz como a moça estavam
desempregados; não tinham, pois,
meios de se sustentar. E não poderiam contar com o apoio dos pais. O
que, aliás, gerou algumas amargas
discussões com os familiares.
Em meio àquela penosa controvérsia, ele, por acaso, leu a notícia
sobre o casamento de macacos na
Índia, e repetiu-a para a namorada,
que não achou muita graça na história e quis mudar de assunto. Mudaram de assunto, mas ele não podia
tirar da cabeça o relato sobre o casamento dos macacos.
A coisa que mais lhe chamava a
atenção era o fato de que, ao menos
aparentemente, os macacos eram
mais felizes do que eles: gozavam da
simpatia de seus donos, eram homenageados, ganhavam presentes. E isso porque os humanos, pelo menos
de acordo com o que ele aprendera
na escola, eram mais evoluídos que
os símios. Mas de que adiantara a
evolução, as premissas do darwinismo, se eles se sentiam tão abandonados e desprezados?
"Eu gostaria que a evolução ocorresse ao contrário", disse à namorada. E acrescentou: "Gostaria que a
gente virasse macaco. Talvez assim
encontrássemos gente disposta a
nos ajudar no casamento".
Ela sorriu, melancólica e, de novo,
não disse nada.
Naquela noite ele teve um sonho.
Sonhou que tinha virado macaco.
Ali estava, na floresta, pulando de
galho em galho, no meio dos outros
macacos, alegre e satisfeito.
Acordou impressionado com seu
sonho. Que, por sua vontade, de
transformaria em realidade. Impossível, naturalmente, mas naquela
manhã, ao invés de tomar café, comeu uma banana. O que deixou a
mãe surpresa: o rapaz não gostava
de banana.
De fato, ele nunca gostara de banana. Mas, por via das dúvidas, talvez fosse melhor ir se acostumando.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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