São Paulo, segunda-feira, 17 de março de 2008

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MOACYR SCLIAR

Que inveja dos macacos


De que adiantara a evolução, as premissas do darwinismo, se eles se sentiam tão abandonados e desprezados?


 O casamento de dois macacos atraiu 3.000 pessoas na região de Ghanteswara, próxima da capital do estado de Orissa, no leste da Índia. A multidão presente na cerimônia foi recebida com um banquete de arroz, lentilhas, verduras, peixe e doces. Além disso, o "casal" recebeu vários presentes dos convidados, inclusive um colar de ouro para a noiva, dado por um comerciante da região. Os "noivos" haviam sido criados por duas famílias diferentes como animais de estimação.
Eles eram mantidos presos por correntes antes do casamento, mas foram soltos depois da cerimônia. O casamento entre os animais é visto como um evento espiritual que traz benefícios para a comunidade; mas os donos dos "noivos" afirmaram que os tratavam apenas como animais domésticos e que a decisão de casar os macacos é fruto apenas do afeto que sentiam pelos animais. A macaca "noiva" estava vestida com um longo sari vermelho. Já o "noivo", o macaco Manu, foi levado ao templo em uma procissão na companhia de centenas de animados espectadores. Havia música, fogos de artifício e danças. Folha Online, Cotidiano

QUE ELES SE AMAVAM , ninguém duvidava; era um ardoroso casalzinho de namorados, sempre aos beijos e abraços, sempre trocando segredinhos. Mesmo assim, quando anunciaram que iriam se casar, as famílias não receberam a notícia com muito entusiasmo.
A razão era mais do que óbvia; tratava-se de gente do interior, gente pobre, muito pobre. Por outro lado, tanto o rapaz como a moça estavam desempregados; não tinham, pois, meios de se sustentar. E não poderiam contar com o apoio dos pais. O que, aliás, gerou algumas amargas discussões com os familiares.
Em meio àquela penosa controvérsia, ele, por acaso, leu a notícia sobre o casamento de macacos na Índia, e repetiu-a para a namorada, que não achou muita graça na história e quis mudar de assunto. Mudaram de assunto, mas ele não podia tirar da cabeça o relato sobre o casamento dos macacos.
A coisa que mais lhe chamava a atenção era o fato de que, ao menos aparentemente, os macacos eram mais felizes do que eles: gozavam da simpatia de seus donos, eram homenageados, ganhavam presentes. E isso porque os humanos, pelo menos de acordo com o que ele aprendera na escola, eram mais evoluídos que os símios. Mas de que adiantara a evolução, as premissas do darwinismo, se eles se sentiam tão abandonados e desprezados?
"Eu gostaria que a evolução ocorresse ao contrário", disse à namorada. E acrescentou: "Gostaria que a gente virasse macaco. Talvez assim encontrássemos gente disposta a nos ajudar no casamento". Ela sorriu, melancólica e, de novo, não disse nada.
Naquela noite ele teve um sonho. Sonhou que tinha virado macaco. Ali estava, na floresta, pulando de galho em galho, no meio dos outros macacos, alegre e satisfeito.
Acordou impressionado com seu sonho. Que, por sua vontade, de transformaria em realidade. Impossível, naturalmente, mas naquela manhã, ao invés de tomar café, comeu uma banana. O que deixou a mãe surpresa: o rapaz não gostava de banana.
De fato, ele nunca gostara de banana. Mas, por via das dúvidas, talvez fosse melhor ir se acostumando.


MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha


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