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RUBEM ALVES
Cuidados paliativos
Crescimento sem limites num planeta que tem limites não é possível. Uma hora o "Dia do Julgamento" chega
FAZ ALGUNS ANOS escrevi um livrinho no qual falava sobre a
necessidade de se criar uma
nova especialidade ("O médico", Ed.
Papirus). Assim eu argumentava:
A vida começa com uma chegada.
Termina com uma despedida. Chegada e partida são, igualmente, partes da vida.
A gente prepara com carinho e
alegria a chegada. Tem de preparar
também com carinho e tristeza a
despedida. A obstetrícia é a especialidade que cuida dos que estão chegando.
Pensei então na necessidade de se
criar uma especialidade que cuidasse dos que estão se despedindo. Até
inventei um nome para ela: "morienterapia", combinação de duas
palavras: "moriens", "que está morrendo" e "therapeuein" que quer dizer "cuidar".
Passado o tempo fiquei sabendo
que uma nova especialidade havia
nascido: "cuidados paliativos". "Paliativo" é algo que alivia mas não resolve. O diagnóstico está feito mas os
médicos sabem que não há nada a
ser feito: o paciente vai morrer.
Os que se dedicam aos cuidados
paliativos são aqueles que, sabendo
da inutilidade dos tratamentos, ficam ao lado do enfermo para garantir que a sua partida seja a menos dolorosa possível, sem dores nem ansiedade. Acho isso uma coisa muito
bonita.
Os "cuidados paliativos" me vieram à cabeça quando pensei nessa
enferma tão querida, a nossa Terra,
mãe de onde viemos e de quem dependemos. Se ela morrer, morreremos também.
Sou favorável a todas as medidas
para prolongar a sua vida: educação,
reflorestamento, proteção das florestas e dos mananciais de água,
despoluição dos rios, diminuição da
emissão de gases pelos aviões, carros
e fábricas...
Mas todas essas medidas são "cuidados paliativos". Não evitarão que
nossa Terra morra. Elas não vão às
raízes da enfermidade mortal.
Quando a doença é feia e provoca
dor, a gente se movimenta. Mas a
enfermidade de que sofre a Terra é
prazerosa, cria objetos maravilhosos que todos desejam e os países
brigam uns com os outros para ter
mais dessa deliciosa enfermidade.
Enquanto os cientistas anunciavam
o efeito estufa em Paris, no Brasil os
governantes e economistas discutiam medidas para que ficássemos
mais doentes e mais felizes!
"Crescimento econômico": esse é
o nome da doença. Há muito que se
sabe que a Terra sofre dessa doença.
Foi anunciado em 1968 pelo "Clube
de Roma" no seu relatório "Os limites do crescimento". Crescimento
sem limites num planeta que tem limites não é possível. Mais cedo ou
mais tarde o "Dia do Julgamento"
chega. Mas ninguém ligou.
Essa doença é mortal porque, para
haver crescimento econômico é preciso que haja aumento no consumo
de energia. Aumento de energia implica aumento do calor na superfície
da Terra. O aumento do calor, por
sua vez, aumentará o ritmo do aquecimento global. Já se fazem previsões sinistras sobre o que acontecerá quando os bilhões de chineses,
acometidos da deliciosa doença do
"crescimento econômico", atingirem o nível de "prosperidade" dos
Estados Unidos...
Resta-nos o conselho que o médico
deu a Manoel Bandeira, tuberculoso:
- O senhor tem uma escavação
no pulmão esquerdo e o pulmão direito está infiltrado.
- Então, doutor, não é possível
tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
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