São Paulo, segunda-feira, 17 de maio de 2004

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SEGURANÇA

Vítima foi atingida por tiro quando fazia compras, na zona norte de SP; moradores fecharam marginal Tietê em protesto

PM é preso por morte de dona-de-casa

GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

A vítima do disparo, uma dona-de-casa de 60 anos, morava em uma região de São Paulo onde denúncias de abusos policiais são freqüentes. O autor do tiro é um policial militar de Guarulhos (Grande SP) -cujos integrantes da corporação são alvo de investigação sobre a existência de um grupo de extermínio- que estava fora da sua área de atuação.
Anteontem à noite, um incidente uniu as duas histórias. A dona-de-casa Raimunda Olimpia de Jesus Furtado foi comprar pão em um mercado do Cingapura Bela Vista, no Parque Novo Mundo (zona norte de SP). O soldado da PM Fábio Trevisoli era um dos quatro policiais do 15º Batalhão de Guarulhos que, fora de sua área de atuação, estariam atrás de um grupo de suspeitos.
No mercado, a dona-de-casa foi atingida nas nádegas por um tiro. O disparo veio da arma do soldado. Ela morreu no pronto-socorro à 1h30 de ontem. Trevisoli foi preso em flagrante e indiciado pela Corregedoria da PM por homicídio culposo (sem intenção). O soldado afirmou que o tiro foi acidental e ocorreu quando ele estava correndo com a arma na mão.
Os outros três policiais -o tenente Alberto Suganuma, o cabo Hélio Correia e o soldado Joanito Queiroz- foram detidos administrativamente.
Para testemunhas do episódio, o tiro não foi acidental e houve omissão de socorro por parte dos policiais. Maria Adilma Cordeiro Furtado, 20, que trabalha como caixa no mercado, foi a primeira a socorrer a dona-de-casa.
"Ela foi atingida logo que entrou no mercado", disse. Segundo a funcionária, o carro da PM freou bruscamente e logo em seguida houve um único disparo. Segundo Maria Furtado, o tiro teria acontecido quando os policiais ainda estavam no carro.
Dois PMs, também segundo ela, entraram no estabelecimento logo depois e chegaram a passar duas vezes pela vítima, que estava caída no chão.
"Eu pedi socorro e eles saíram sem falar nada", disse a funcionária. Nerivane Costa da Silva, 23, dona do mercado, disse que foi atrás dos policiais para que eles socorressem a vítima, mas ela diz que o carro da PM saiu em disparada. A dona-de-casa foi levada por vizinhos para o hospital.
Em protesto, moradores fecharam uma pista da marginal Tietê, que fica nas proximidades, por quatro horas. Foram feitas barricadas com paus, pedras e pneus incendiados. A manifestação só foi interrompida com a chegada da tropa de choque da PM.
Raimunda Furtado tinha cinco filhos e sete netos. A maior parte de sua família estava, no momento do incidente, em um culto em uma igreja evangélica que fica ao lado do mercado. Anteontem, ao contrário do que fazia normalmente, ela não quis ir à igreja por causa do frio. Sozinha em casa, resolveu comprar pão.
Para o ouvidor da Polícia de São Paulo, Itajiba Farias Ferreira Cravo, a Corregedoria da PM falhou por ter indiciado o soldado apenas por homicídio culposo. "Homicídio culposo com omissão de socorro? Isso é um desrespeito à inteligência da população de São Paulo", afirmou Cravo.
A Ouvidoria e outras entidades ligadas aos direitos humanos denunciaram, em março deste ano, abusos policiais e mortes suspeitas cometidos no Parque Novo Mundo por policiais da 6ª Companhia e da Força Tática do 5º Batalhão. Seis policiais foram afastados, segundo a Corregedoria. "Parece que as denúncias feitas pelas entidades não têm efeito e os abusos continuam", disse Cravo.
Para o ouvidor, também tem de ser investigada a ligação entre o incidente de sábado e a atuação do grupo de extermínio. "Esse tipo de ação pode ser um recado, uma tentativa de intimidação das testemunhas", disse.


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