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VIDA E MORTE
Paulistanos ouvidos pelo Datafolha após o caso Terri Schiavo fariam essa restrição caso prática fosse legalizada
Para 51%, opção por eutanásia cabe aos pais
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
A maioria da população de São
Paulo concorda que apenas os
pais ou os filhos de um doente incurável possam decidir pela realização da eutanásia, caso a prática
-ato que apressa, sem sofrimento, a morte de um paciente sem
cura- venha a ser descriminalizada no país. Essa é a opinião de
51% dos entrevistados, contra
44% que aceitam que outras pessoas tomem a decisão, revela pesquisa Datafolha, na qual a maioria
se manifesta contra a prática da
eutanásia. A margem de erro é de
dois pontos percentuais, para
mais ou para menos.
No entanto, quando o grau de
parentesco é de marido ou mulher, ocorre o inverso: 32% dos
entrevistados são favoráveis que
apenas o cônjuge tenha o direito
de decidir pela morte do parceiro
em casos de doenças incuráveis,
contra 63% que discordam.
Quando a pergunta foi se, de
modo geral, familiares teriam o
direito de decidir sobre a eutanásia, houve empate pela margem
de erro da pesquisa: 46% a favor e
49% contra. Para 71% dos entrevistados, porém, a autorização só
pode ocorrer após a opinião de
mais de um médico sobre o caso.
Há nove anos, foi encaminhado
um projeto de lei no Senado para
permitir a eutanásia. A proposta
caducou, mas ainda se discute o
assunto por meio do projeto de
reforma do Código Penal, que se
arrasta na Câmara.
O levantamento do Datafolha,
ocorrido entre 6 e 7 de abril -seis
dias após a morte da norte-americana Terri Schiavo-, ouviu 1.624
pessoas em São Paulo. Dessas,
41% declararam ser a favor da eutanásia, 53% contra e 7% não sabem ou são indiferentes.
As mulheres foram mais resistentes à idéia da eutanásia do que
os homens -56% contra 49%. Os
mais velhos e menos instruídos
também foram os que mais se colocaram contra a prática.
A aceitação é maior quando
apresentada a hipótese de que a
eutanásia só possa ser realizada se
o paciente, ainda consciente, pedir para morrer, ou se tiver deixado um pedido nesse sentido: 61%
passam a concordar com a prática, contra 34% que discordam.
Efeito Terri
Para especialistas em bioética, a
morte de Terri Schiavo, após 12
dias sem o tubo que a mantinha
viva desde fevereiro de 1990, colaborou para o maior grau de desconfiança da população, demonstrado na pesquisa, em relação ao
direito de o cônjuge decidir sobre
a eutanásia.
Terri entrou em estado vegetativo depois que seu coração parou e
seu cérebro ficou vários minutos
sem oxigênio, em 1990, quando tinha 26 anos. Houve uma luta judicial entre seu marido, Michael
Schiavo, que defendia a eutanásia,
dizendo ser esse um desejo manifestado pela mulher, e os pais da
doente, Robert e Mary Schindler,
que a queriam viva.
"As pessoas confiam mais no
vínculo vertical [entre pai e filho],
nos laços de consangüinidade, do
que no elo horizontal [entre marido e mulher, por exemplo]. E o
caso da Terri corroborou essa tese", opina o infectologista Caio
Rosenthal, membro da câmera de
bioética do Cremesp (Conselho
Regional de Medicina do Estado
de São Paulo).
Conhecido defensor da eutanásia [ele prefere usar o termo ortotanásia, a retirada de equipamentos ou medicações que prolongam a vida de doentes terminais,
por julgar o termo eutanásia "gasto"], Rosenthal afirma ter sido
"radicalmente contra" a forma de
condução do processo de morte
de Terri. "Foi um mau exemplo,
contrário a tudo que se propõe no
sentido do morrer dignamente."
Na sua opinião, a exclusão dos
pais da doente da decisão de interrupção da vida vegetativa foi
um grande erro. "Pais e filhos,
mulher, marido e filhos do casal
devem ter direito a opinar nessas
situações", afirma.
Marco Segre, professor de ética
da Faculdade de Medicina da USP
de São Paulo, também acha que a
reação da população era "previsível" após o episódio Terri Schiavo. "Reforçou a tese de que o
amor e o respeito é maior na relação entre pais e filhos."
Para o padre Leo Pessini, especialista em bioética, o fato de as
pessoas privilegiarem as decisões
de pais ou filhos do paciente a respeito de tratamentos ou investimentos terapêuticos em momentos críticos é uma decorrência
normal da cultura familiar latina.
"O "núcleo familiar raiz" tem
maiores possibilidades de lidar
com a verdade dos fatos, conhecendo os desejos e valores das
pessoas, com menores chances de
interferência de interesses outros,
econômicos, por exemplo, que
não honram a dignidade da pessoa envolvida, como no caso Terri
Schiavo."
Religião
Quanto à religião, os espíritas
kardecistas foram o grupo de entrevistados mais contrários à hipótese de que o marido e a mulher
possam decidir pela interrupção
da vida do parceiro: 74% discordam dessa idéia, 11 pontos percentuais acima da média.
Os moradores do centro de São
Paulo também foram os mais
conservadores em relação a essa
mesma questão: 68% não concordam que apenas o cônjuge tenha
o direito de decidir pela eutanásia.
A pesquisa também revela que
as mulheres são mais refratárias a
essa hipótese.
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