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LETRAS JURÍDICAS
Acesso ao direito
WALTER CENEVIVA
A França -veja bem, a
França- discute neste momento um projeto de lei sobre
o acesso ao direito. Boa parte
da população francesa não
consegue resolver seus conflitos de interesse através dos
mecanismos oficiais do Poder
Judiciário, nem mesmo através de acertos consensuais.
Há cuidadosos estudos, no
Brasil, a respeito da demanda
reprimida do direito, o que
conduz ao mesmo tipo de debate vivido na França. Merece
especial referência o trabalho
de Kazuo Watanabe, professor da Faculdade de Direito
da USP, ex-magistrado e experiente advogado, com referência à demanda de justiça
negada a muitos cidadãos,
impedidos de solucionarem
suas queixas, porque causas
econômicas ou sociais vedam
até seu acesso ao Judiciário.
A parede fechada que muitos homens e mulheres encontram à sua frente, sólida e intransponível, quando tentam
resolver questões de seu interesse em juízo (que para elas
sempre têm muito valor, ainda que sem expressão econômica relevante) é, por si mesmo, inconstitucional. A Carta
Magna assegura assistência
judiciária a todos. Negada a
assistência, percebe-se que a
distância entre a lei e a realidade é muito grande. O Estado não dispõe de meios para
cumprir e implementar a garantia constitucional.
Elisabeth Guigou, cujo cargo
corresponde ao do nosso ministro da Justiça, desenvolve
esforços, neste momento, para
a aprovação, no Parlamento
francês, de um projeto de lei
sobre o acesso ao direito e à
resolução amigável dos conflitos. Basicamente, a idéia da
ministra consiste em criar alternativas para todos os componentes da sociedade, sejam
quais forem suas condições
pessoais, para não se encaminharem automaticamente ao
Judiciário, quando tenham
problemas legais a resolver.
Pretende desenvolver, na nova legislação especial, meios
de conciliação, de mediação
através de terceiros e de estabelecimento de soluções consensuais.
O encaminhamento de uma
política da Justiça -entendida esta como programa de garantia para o acesso de todos
à resolução conciliatória ou
litigiosa de seus conflitos
-constitui obrigação essencial do Estado. Obrigação prevista na Constituição brasileira. Uma das garantias fundamentais da paz social está na
possibilidade, difundida para
toda a sociedade, de ser preservado o direito individual
de cada cidadão, diante dos
outros cidadãos e, principalmente dos governantes e dos
atos de autoridade, em geral.
No Brasil -e, nisso, menos
que na França- os agentes
governamentais estão entre as
principais fontes de ofensa ao
direito das pessoas. Há exemplos constantes, na área dos
abusos de autoridade policial,
administrativa e fiscal, sob o
forte estímulo da criação de
leis confusas, de difícil aplicação, a que inspirarem a criação de dificuldades, com ou
corolário inevitável da venda
de facilidades, base de muita
corrupção oficial.
Sirva-nos de consolo, fraco,
mas sempre consolo, saber
que num país situado no rol
dos mais ricos e de civilização
mais antiga, há problemas semelhantes aos nossos. Na
França é bom o esforço para
os resolver. Aqui também
tem-se notado algum esforço,
mas estamos ainda longe da
conquista da solução definitiva, para quebrar a barreira
do acesso de todos ao direito.
E, mais que isso, solução boa,
tanto na teoria, como, principalmente, na prática.
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