São Paulo, sábado, 18 de abril de 1998

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LETRAS JURÍDICAS
Acesso ao direito

WALTER CENEVIVA
A França -veja bem, a França- discute neste momento um projeto de lei sobre o acesso ao direito. Boa parte da população francesa não consegue resolver seus conflitos de interesse através dos mecanismos oficiais do Poder Judiciário, nem mesmo através de acertos consensuais.
Há cuidadosos estudos, no Brasil, a respeito da demanda reprimida do direito, o que conduz ao mesmo tipo de debate vivido na França. Merece especial referência o trabalho de Kazuo Watanabe, professor da Faculdade de Direito da USP, ex-magistrado e experiente advogado, com referência à demanda de justiça negada a muitos cidadãos, impedidos de solucionarem suas queixas, porque causas econômicas ou sociais vedam até seu acesso ao Judiciário.
A parede fechada que muitos homens e mulheres encontram à sua frente, sólida e intransponível, quando tentam resolver questões de seu interesse em juízo (que para elas sempre têm muito valor, ainda que sem expressão econômica relevante) é, por si mesmo, inconstitucional. A Carta Magna assegura assistência judiciária a todos. Negada a assistência, percebe-se que a distância entre a lei e a realidade é muito grande. O Estado não dispõe de meios para cumprir e implementar a garantia constitucional.
Elisabeth Guigou, cujo cargo corresponde ao do nosso ministro da Justiça, desenvolve esforços, neste momento, para a aprovação, no Parlamento francês, de um projeto de lei sobre o acesso ao direito e à resolução amigável dos conflitos. Basicamente, a idéia da ministra consiste em criar alternativas para todos os componentes da sociedade, sejam quais forem suas condições pessoais, para não se encaminharem automaticamente ao Judiciário, quando tenham problemas legais a resolver. Pretende desenvolver, na nova legislação especial, meios de conciliação, de mediação através de terceiros e de estabelecimento de soluções consensuais.
O encaminhamento de uma política da Justiça -entendida esta como programa de garantia para o acesso de todos à resolução conciliatória ou litigiosa de seus conflitos -constitui obrigação essencial do Estado. Obrigação prevista na Constituição brasileira. Uma das garantias fundamentais da paz social está na possibilidade, difundida para toda a sociedade, de ser preservado o direito individual de cada cidadão, diante dos outros cidadãos e, principalmente dos governantes e dos atos de autoridade, em geral.
No Brasil -e, nisso, menos que na França- os agentes governamentais estão entre as principais fontes de ofensa ao direito das pessoas. Há exemplos constantes, na área dos abusos de autoridade policial, administrativa e fiscal, sob o forte estímulo da criação de leis confusas, de difícil aplicação, a que inspirarem a criação de dificuldades, com ou corolário inevitável da venda de facilidades, base de muita corrupção oficial.
Sirva-nos de consolo, fraco, mas sempre consolo, saber que num país situado no rol dos mais ricos e de civilização mais antiga, há problemas semelhantes aos nossos. Na França é bom o esforço para os resolver. Aqui também tem-se notado algum esforço, mas estamos ainda longe da conquista da solução definitiva, para quebrar a barreira do acesso de todos ao direito. E, mais que isso, solução boa, tanto na teoria, como, principalmente, na prática.



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