São Paulo, sábado, 18 de abril de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LEIS
Direito ainda deve resposta a questões criadas pela ciência

EUNICE NUNES
especial para a Folha

O direito precisa encontrar formas de diminuir a distância que o separa da ciência. Esta avança a passos largos, criando situações novas, que demandam regras de controle que protejam a vida e a dignidade humana sem prejudicar a pesquisa científica.
Mas o direito é lento, e a criação de sistemas de controle para o trabalho científico, em especial nas áreas que afetam a vida humana, é tarefa difícil, que extrapola o saber jurídico. Exige mudanças de mentalidade e a colaboração das mais diversas áreas do conhecimento.
É trabalho para equipes interdisciplinares, compostas por juristas, filósofos, psicólogos, médicos, físicos e cientistas em geral.
O tema foi debatido na última quarta-feira durante o seminário "Bioética e biodireito no limiar do século 21", promovido pelo Instituto Brasileiro de Estudos Interdisciplinares de Direito de Família e pela Universidade São Judas.
"O pensamento deve ser livre, sem regras. Mas, no plano prático, as normas são necessárias", afirma Marco Segre, professor de bioética e medicina legal da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Ivette Senise Ferreira, professora de direito penal da USP, também defende a necessidade de estabelecer parâmetros e limites. E diz que a preocupação com a proteção da vida é do direito, em especial do direito penal, como instância máxima a que se recorre quando nada mais resolveu.
"O respeito à vida e à dignidade humana são elementos chave, que precisam ser protegidos pelo ordenamento jurídico. E o progresso na área da medicina, da genética e da biologia (criação da vida em laboratório, por exemplo) levou à introdução de leis para regulamentar pesquisas ", observa.
Entre os assuntos que viraram objeto da lei ao longo do século 20 estão o aborto, a esterilização, a eutanásia, a reprodução assistida e a clonagem.
"A nossa Constituição estabelece proteção específica ao patrimônio genético do país. E embora não tenhamos leis que respondam a todas as novas situações criadas pela ciência, temos uma que disciplina o uso das técnicas de engenharia genética", informa a professora. É a lei 8.974, que proíbe a clonagem humana e a produção, guarda ou manipulação de embriões humanos destinados a servir de material biológico disponível.
Mas o fato de proibir e estabelecer punições pesadas (até 20 anos de prisão) para os infratores não impede ninguém de desobedecer à lei. Se isso acontecer, e alguém criar um clone humano, por exemplo, que personalidade jurídica terá esse novo ser?
"O direito não tem resposta para essa situação. Há que refletir, tendo sempre em vista o bem supremo, que é a vida", diz Ivette.
"Para o direito, o bem supremo é a vida. Mas, em certas situações, o bem supremo pode ser a liberdade, a vontade. É tarefa da bioética a reflexão sobre esses valores e sobre as emoções que os envolvem. A partir daí podemos criar normas de atuação", diz Segre.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.