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ENTREVISTA
Neurologista, que está no Brasil, afirma que o organismo se estrutura de acordo com suas necessidades
Para Sacks, doença é um conceito falho
ALEXANDRA OZORIO DE ALMEIDA
da Reportagem Local
O neurologista inglês Oliver
Sacks defende que não existe uma
divisão categórica entre doentes e
saudáveis. Para ele, o próprio conceito de doença é discutível -pois
muitas vezes o organismo arranja
outros meios para executar suas
funções-, e os tratamentos devem ser considerados caso a caso.
Sacks exemplifica seu argumento citando o caso de Virgil (do livro
"Um Antropólogo em Marte"),
que era cego, foi curado, e se defrontou com novos problemas.
Sacks, que vive há mais de 30
anos em Nova York, está no Brasil
para o lançamento de seu último
livro (leia texto). A seguir, trechos
da entrevista, concedida ontem.
Folha - Como o sr. conceitua
doença, em contraponto a saúde?
Oliver Sacks - É muito complexo defini-los, pois há uma variação
muito grande entre os dois conceitos. Acredito que os conceitos de
saúde e de doença devem ser redefinidos em termos da capacidade
do organismo de criar uma nova
organização, adequada às suas necessidades.
Estar doente geralmente significa que uma parte do corpo não está funcionando, está danificado. E
ser saudável não é um conceito
único e imutável, pois a doença se
incorpora na vida da pessoa.
Folha - Por exemplo?
Sacks - Descobri que as pessoas
surdas não se consideram deficientes. Afirmam que o som não
tem importância e que elas têm
uma percepção visual do mundo.
Há também casos como o de Virgil, que era praticamente cego desde muito novo, devido à catarata.
Aos 50 anos, descobriram que
uma operação poderia restaurar a
visão dele. Mas foi uma experiência atordoante, porque ele não sabia ver. O cérebro vai aprendendo
a classificar e reconhecer o mundo. Você tem de aprender a ver.
Para reencontrar a paz, ele fechava os olhos e voltava para o mundo
que conhecia. Acho que, nesse caso, os efeitos da mudança deveriam ter sido mais discutidos.
Comigo também é assim. Tenho
insônia crônica, e considero isso
uma doença na minha vida. Por
outro lado, penso muito à noite e
sou bastante ativo. Talvez, se fosse
curado, perderia outras coisas.
Você tem sempre de pesar prós e
contras quando trata das pessoas.
Folha - Quanto já se conhece sobre a neurologia?
Sacks - Os conhecimentos neurológicos têm evoluído muito e já
temos técnicas bastante refinadas.
Sabemos muitas coisas sobre a
parte analítica do cérebro. Foram
descobertos mais de 40 sistemas
diferentes que cuidam de coisas
como cores ou movimento.
Mas ainda sabemos muito pouco
sobre como o cérebro sintetiza as
informações. E a parte sintética é
muito importante, porque é o que
nos dá as sensações, o sentimento,
nos dá coerência, consciência, nos
faz sentir humanos.
Folha - E quão seguro é tratar as
pessoas e ministrar remédios?
Sacks - Na verdade, ainda temos poucos remédios para tratar
de distúrbios neurológicos. Os que
existem não têm alvo definido,
servem para uma vasta gama de
doenças. Ainda é pouco grosseiro.
Com o tempo vamos nos especializar mais, mas isso trará uma
nova série de discussões médicas e
éticas sobre as doenças e os tratamentos e remédios. Tudo que fazemos, como neurocirurgias ou
medicação, tem um custo, e isso
deve ser levado em conta.
Folha - Você trabalha em hospitais e também participa da vida de
seus pacientes, saindo com eles e
conhecendo suas casas, por exemplo. Onde se aprende mais, no laboratório ou no convívio?
Sacks - Ambos são igualmente
importantes. O laboratório para
mim é o que as ilhas Galápagos foram para Darwin. Os hospitais de
pacientes crônicos são meu laboratório, mas para sentir a vida das
pessoas, tem de ser fora.
Folha - Como o sr. vê os médicos
de hoje, que muitas vezes se preocupam mais com a doença em si
do que com os pacientes?
Sacks - Acho que é muito importante estudar a doença em si,
para entendê-la. Mas também é
importante que os médicos saibam que por trás de uma doença
há um paciente.
Nos EUA, muitos pacientes reclamam que os médicos não dão
muita atenção a eles -o que acho
que é tão importante quanto o tratamento em si. O meu trabalho é
justamente sobre isso: tentar aliar
conhecimento médico a uma
preocupação com a pessoa.
Folha - O sr. já tratou algum paciente brasileiro?
Sacks - Acho que não. Teria sérias dificuldades, pois sou péssimo
em línguas e é preciso conversar
com os pacientes.
Mas seria muito interessante ver
como é um autista brasileiro, por
exemplo, pois as culturas influenciam no tratamento das pessoas.
Aqui, por exemplo, não vi acessos
especiais para deficientes.
Folha - Como é o seu dia-a-dia
com seus pacientes?
Sacks - Passo metade da semana nos hospitais em que trabalho,
vendo meus pacientes. Alguns estão comigo há mais de 20 anos. Fora isso, vejo outras pessoas.
Não escolho pacientes, tento
atender todos que me procuram.
O tempo que passo com eles depende da gravidade do problema.
Em geral passo as manhãs no
hospital com os pacientes e depois
saio para andar no jardim botânico, que é ali do lado. Quando volto, já preparei mentalmente minhas anotações sobre os pacientes.
Essas anotações não diferem
muito das narrativas dos meus livros. Quando me perguntam se
sou médico ou escritor, respondo
que os dois andam juntos.
Folha - Existe um "método Sacks
de tratamento"?
Sacks -De vez em quando algum estudante de medicina me
procura para estudar a "técnica
Sacks", mas isso não existe.
O que faço é simplesmente ouvir
e prestar muita atenção no que
meus pacientes fazem e falam, e
tentar aliar isso com os conhecimentos médicos que possuo.
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