São Paulo, domingo, 18 de outubro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Telecatch do telemarketing

Assim como nos espetáculos de luta livre na TV, consumidor e atendentes simulam embates nas conversas telefônicas dia a dia

Leonardo Wen/Folha Imagem
Suzanne Fagundes de Oliveira, 19, que afirma não ter sido bem atendida pelo atendente de telemarketing da Submarino

MÁRCIO PINHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Brigar com um operador de telemarketing pode não ser uma boa ideia. Chamados de bestas, incompetentes etc. por consumidores que enfrentam epopeias ao ligar para um SAC (serviço de atendimento ao cliente), os operadores podem devolver as "gentilezas" com métodos próprios de vingança.
Desligar o telefone dando a impressão de que a ligação caiu ou pedir ao cliente "um momento" e colocar a irritante musiquinha de elevador para fazê-lo esperar são algumas das práticas relatadas por quatro atendentes ouvidos pela Folha.
Eles contaram o que já aprontaram com clientes "malas" sob o compromisso de não serem identificados -a reportagem usa nomes fictícios.
"Atendi um cliente que queria, naquele instante, que sua assinatura de TV fosse reativada. Não era possível. Ele me xingou e ameaçou. Apertei o mudo para que ele achasse que a ligação tivesse caído e desligasse", conta Érica, 30.
Ela diz que essa á uma boa tática para driblar os supervisores dos call centers, que pregam que "o cliente sempre tem razão". O atendente é, em geral, proibido de desligar as chamadas, mas às vezes corre o risco aproveitando que nem todas as ligações são escutadas.
Para André, 31, que foi atendente por três anos e abandonou a profissão em 2008, a musiquinha é ideal para fazer o cliente "baixar a bola". "Você diz "um momento, por favor", põe a música e dá uns 15 minutos para o cara pensar. Dá para aproveitar o tempo para conversar com o colega do lado."
Outra prática é mandar o cliente para o limbo -um setor qualquer que não poderá resolver a reclamação dele. Mariana, 27, que atua em SAC de um banco conta que um cliente que queria saber quem havia espalhado que ele tinha muito dinheiro."Era uma reclamação infundada. Fui irônica e perguntei: Como será que souberam né? E o despachei para o primeiro ramal que vi."
O setor de vendas é um destino comum nesse tipo de caso, já que a oferta de novos produto enerva ainda mais o cliente.
Todos os atendentes ouvidos pela reportagem reclamam das grosserias dos clientes. Mariana diz que, "em cem ligações, o operador é maltratado em 40".

Setor
Segundo a Associação Brasileira de Telesserviços, o setor é promissor e empregava 850 mil atendentes no início deste ano, a maioria jovens com 2º grau.
Ronaldo Lopes, do Sindicato dos Trabalhadores em Telemarketing, diz que as empresas têm programas de qualidade para treinar esses jovens e buscam selos para atestar o bom nível dos call centers. Casos de falta de respeito com o cliente, segundo ele, são exceções.
Os "surtos" dos atendentes são sem justificativa, para a psicóloga da USP Maria Amélia Azevedo. Ela afirma que o operador deve ser treinado para atender o último do dia como o primeiro. "Se houver estresse, o trabalho tem que oferecer alternativas como mais horas livres. Não pode é virar desculpa para descontar no cliente."
Roberto Pfeiffer, diretor-executivo do Procon, diz que um atendimento inadequado contraria o Código de Defesa do Consumidor e o decreto que regulamentou os SACs no ano passado, podendo render multas e ações por danos morais.


Texto Anterior: Há 50 anos
Próximo Texto: Analista diz que sua reclamação era ignorada
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.