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São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 2003

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SP e a União financiaram pesquisas

DA REPORTAGEM LOCAL

O governo brasileiro e o Estado de São Paulo financiaram estudos de interesse da indústria do fumo. É o que atestam pesquisadores brasileiros nos textos de seus próprios trabalhos.
Dos seis principais trabalhos de brasileiros usados pelo Projeto Latino da indústria, citados por pesquisadores da Universidade da Califórnia (EUA), cinco indicam órgãos de fomento como o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Não informam que tipos de recursos foram cedidos nem quantificam a ajuda.
Em um dos estudos de maior destaque, que analisou o ar de restaurantes e escritórios do Rio e São Paulo, publicado em 1995 na revista "Environmental Science & Technology", o então professor da USP Antonio Miguel e os professores da UFRJ Jari Nóbrega Cardoso e Francisco Aquino Neto informam que a pesquisa teve verba do Ciar (órgão ligado á indústria), do CNPq, ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior), ligada ao MEC.
Em um e-mail de setembro de 1998, Bruce Davies, da área científica da Philip Morris, informa que Miguel já tinha obtido recursos de agências do governo brasileiro e do Chile para parte do estudo sobre o ar de ambientes fechados em São Paulo e Santiago.
Em outros dois estudos sobre o ar interno, de 1993, Aquino Neto e Cardoso também citam Ciar e CNPq. Em pesquisa divulgada no mesmo ano, de medição de poluentes em ambientes fechados, o trio volta a informar financiamento público.
Desde 2000 o Ministério Público Federal em São Paulo investiga a possível acumulação de financiamento pelos pesquisadores (o que órgãos de fomento vetam). A investigação começou após o jornal "Valor Econômico" publicar naquele ano reportagem sobre o pagamento de estudos científicos pela indústria envolvendo o trio.
A procuradora Adriana da Silva Fernandes questionou as universidades sobre seus professores. A USP disse que Miguel, que ali atuou até 95 em regime de dedicação integral, não pediu autorização à Comissão Especial de Regimes de Trabalho para pesquisar e prestar os serviços de consultoria à indústria, o que é irregular.
A UFRJ informou que seus professores poderiam prestar serviços "esporádicos" de consultoria.
O CNPq divulgou em 2000 que Miguel recebeu recursos do órgão várias vezes entre 1979 e 1996, o que o impediria de ter qualquer outra atividade remunerada. O CNPq dizia desconhecer sua colaboração com a indústria do fumo.
Miguel colabora com a indústria desde 1992, pelo menos. Em 1994, por exemplo, o Projeto Latino previa pagar a ele por atividades como responder à mídia sobre assuntos ligados à qualidade do ar interno. Em maio de 1995, ele enviou fax ao escritório de advocacia que gerenciava o projeto cobrando mais de US$ 4.000 por despesas como realização de cópias "de nossos estudos".
O CNPq informou à procuradora que uma auditoria constatara que não havia acumulação de bolsas. Investigou só o período de novembro de 92 a fevereiro de 93.
O órgão, procurado pela Folha, respondeu que a política do atual ministro "é direcionar pesquisas para o interesse social". "Se realmente os pesquisadores adotaram essa postura, cabe aos gestores do CNPq daquela época responderem." O Ministério Público segue investigando. Procurada, a Capes não respondeu. A Fapesp está em férias coletivas.



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