São Paulo, segunda-feira, 19 de fevereiro de 2001

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Tendência é situação se agravar

DA REPORTAGEM LOCAL

Especialistas ouvidos pela Folha afirmam que a tendência são os motins, como os de ontem, se agravarem se o Estado não repensar o sistema carcerário.
"Tenho certeza de que não será a última rebelião. Resolvida a questão emergencial, será necessário se preparar para esse cenário novo dentro do sistema", diz o advogado Luiz Flávio Borges D'Urso, membro do Conselho de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas.
Para ele, o Estado deve reconhecer o nível de organização criada pelos presos. "Com tantos reféns e tantas rebeliões ao mesmo tempo, só resta ao governo negociar. Não há como enfrentar um movimento tão organizado, com uma ação orquestrada dessa forma e com centenas de reféns."
Na sua opinião, as técnicas de controle de rebelião não funcionam quando os motins acontecem em vários presídios ao mesmo tempo envolvendo um número grande de reféns.
Em rebeliões isoladas, o tempo joga a favor do Estado, que mina a resistência dos rebelados cortando água, luz, comida, e tentando dividir o comando dos presos.

Nova ética
Segundo James Cavalaro, diretor da ONG Centro de Justiça Global, os motins ocorridos ontem em todo o Estado foram marcados por uma mudança na ética dos presos, que até alguns anos atrás não tomavam familiares como reféns e sempre respeitavam a visita dos domingos.
"As regras internas não estão sendo mantidas e isso é sinal de que a situação está se agravando", disse o diretor da organização voltada para questão dos direitos humanos. Na sua avaliação, essas rebeliões são decorrência do "descaso histórico" com a situação dos presos.
"Rebeliões como essas só não ocorreram antes porque não havia coordenação entre os presos", afirma. "É só visitar um presídio para notar que as condições são medievais. O sistema penitenciário é um barril de pólvora. Estava faltando um fósforo."
Já o presidente nacional da OAB, Rubens Approbato Machado, criticou o sistema prisional brasileiro. Ontem à tarde, quando a situação das rebeliões ainda estava indefinida, ele disse que "as autoridades policiais precisam ter prudência na hora de reprimir o movimento", lembrando as mortes de 111 presos no Carandiru em uma invasão da polícia para conter uma rebelião, em 1992.
"A sociedade precisa saber que tudo isso acontece porque temos um sistema prisional falido. Muitas prisões brasileiras foram transformadas em campos de concentração e, em vez de cumprirem sua tarefa de reeducar o preso, servem como escolas de crimes", afirmou ele em nota.
"Para que isso acabe, precisamos de uma outra revolução, nos gabinetes, para repensar e mudar todo o sistema penitenciário."
(AURELIANO BIANCARELLI)


Colaborou a Sucursal de Brasília


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