São Paulo, quinta, 19 de fevereiro de 1998

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LEIS
Comissão que revisa o Código Penal também propõe que transmissão de doenças, mesmo sem intenção, vire crime
Aborto de feto com anomalia pode virar legal

da Sucursal de Brasília


Comissão formada pelo Ministério da Justiça para revisar o Código Penal, de 1940, aprovou ontem a ampliação do aborto legal, atualmente restrito a casos de estupro e de risco de vida da gestante. Se a proposta da comissão for aceita, o aborto passará a ser admitido nos casos de o feto ter anomalias físicas ou mentais graves ou irreversíveis, de a mãe ter sido submetida a fecundação artificial sem seu consentimento ou ainda de a gravidez ter sido resultante de violação da liberdade sexual (sem ter sido consumado o ato sexual). A comissão aprovou também a criminalização da transmissão de doença contagiosa, mesmo sem intenção. Por exemplo, o portador de HIV que transmitir o vírus, mesmo sem intenção, terá cometido crime. O crime só será caracterizado, entretanto, se o ato sexual for realizado sem preservativo, o que é improvável se o portador do vírus não quiser transmitir a Aids. Ao final do exame do código, as propostas serão encaminhadas ao ministro da Justiça, Iris Rezende, que as enviará ao Palácio do Planalto, em forma de projeto de lei, que será enviado ao Congresso, onde pode tramitar por anos.

Aids
Conforme a proposta da comissão, também passará a ser crime o fato de um doente (de Aids, por exemplo) expor o parceiro ao perigo da contaminação, ainda que não consiga infectá-lo.
Pelo atual código, só é considerada crime a transmissão intencional (dolosa): praticar ato ou expor alguém ao risco de contaminação de moléstia grave ou doença venérea com o fim de infectá-lo.
Nesse caso (transmissão sem intenção), a pena vai de três meses a um ano de detenção. Não há crime se o preservativo estourar, pois o doente havia tomado as precauções que estavam ao seu alcance.
Um soropositivo consciente da sua situação que tentar transmitir a Aids, sem êxito, poderá ser punido com detenção de quatro meses e meio a um ano e meio.
No caso de o soropositivo, também consciente de sua condição, tentar e conseguir contaminar outra pessoa com o vírus, a pena passará a ser de seis meses a dois anos de reclusão.
Se a transmissão for com o intuito claro de matar outra pessoa, o crime será classificado como tentativa de homicídio ou homicídio, caso a vítima venha a morrer. A pena será de seis a 20 anos.
A comissão também está propondo mudanças na redação dos artigos 130 e 131 do atual código -que serão fundidos num único- para que sejam abrangidas a transmissão de todas as moléstias contagiosas (não só a Aids), por todas as formas. Ou seja, por seringas contaminadas ou transfusão de sangue infectado.
Também foi estabelecido que, no caso dessas contaminações, só pode haver início de investigação policial e consequente abertura de processo se a vítima quiser.
Aborto
A comissão propôs que a autorização para o aborto legal seja dividida em três casos: 1) quando não há outro meio de salvar a vida da gestante (o chamado aborto necessário); 2) quando tenha ocorrido estupro, violação da liberdade sexual (gravidez sem o coito, chamado cópula vestibular) ou emprego de técnica de reprodução assistida (reprodução artificial) sem consentimento, e 3) quando o feto apresentar graves e irreversíveis anomalias, físicas ou mentais.
Nesse último caso, a comissão também criou outra inovação: para abortar o feto anômalo, é preciso que o marido ou companheiro da gestante autorize o aborto. Além disso, a anomalia tem de ser atestada por três médicos.



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