São Paulo, domingo, 19 de julho de 1998

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PARTEIRAS DA FLORESTA
Com 11 filhos e 20 netos, mulher já fez mais de 200 partos e é chamada de "madrinha"
Rossilda, 62, aprendeu a partejar com a avó

do enviado especial a Macapá

Boa parte dos moradores de Curiaú de Dentro e de Curiaú de Fora chamam "dona" Rossilda Joaquina da Silva de madrinha. Rossilda, 62, 11 filhos e 20 netos, tem 30 anos como parteira e fez mais de 200 partos nos dois Curiaús, distritos do município de Macapá.
Os bairros são antigos quilombos e Rossilda conta que aprendeu a partejar com a avó Joaquina, filha de escravos. Quinze anos atrás, fez um estágio na maternidade local e agora está entre as parteiras cadastradas, com direito a uma cesta básica e a um kit que inclui uma lanterna amarela.
Hoje Rossilda associa o que vem aprendendo no estágio aos conhecimentos e recursos comuns às parteiras da floresta. Emprega chás de ervas, faz massagens -"puxadas na barriga para ajeitar o bebê e tirar a dor"- e fica o tempo todo junto da mãe.
"Confiança e coragem é o que elas mais precisam", diz Rossilda. Na maioria das vezes, ela diz que apenas assistiu ao parto. "Quem faz nascer é a mãe mesmo."
As mulheres que na sexta-feira estavam chegando para o encontro das parteiras da floresta se apresentavam justamente como assistentes. Parto normal precisa só de assistência, não de intervenção, elas diziam.
Rossilda está entre as parteiras integradas a um programa e que, teoricamente, pode recorrer a ajuda médica. "Mas milhares de crianças nascem por aí e ninguém sabe como", afirma Eli Almeida, secretária do Trabalho e coordenadora do encontro de Macapá. "Os governos nem sabem como suas crianças estão nascendo."
Rossilda diz que as mulheres que podem estão começando a preferir a maternidade. "Em casa, ficam com vergonha de gritar. No hospital ninguém liga."
As parteiras são chamadas pelas famílias assim que a mulher apresenta sinais de dilatação ou está sentindo dores. "Sem dor ninguém nasce", diz Rossilda. É a parteira quem corta o cordão umbilical e dá banho na criança. Faz assim durante oito dias, cuidando do bebê e ensinando a mãe. Depois a mãe seguirá uma dieta de 40 dias com caldo de galinha, mingau de aveia e de banana. Não deve comer nem pato, nem piranha.
Rossilda afirma que nenhuma mulher e nenhuma criança morreu em suas mãos e que nunca precisou de ajuda médica.
Mas que já viu muita mulher sofrer, como da última vez, "uma menina de primeira barriga" que passou horas com dores.
Não há dados comparativos entre a mortalidade materna em partos realizados em casa e aqueles feitos em hospital. Ivete Lourenço, da Rede Nacional de Parteiras e da ONG Cais do Parto, diz que o alto número de cesáreas em hospital aumenta os riscos de infecções para a mãe e o filho. Consequentemente, a mortalidade materna poderia ser maior nas maternidades. Já a mortalidade infantil tende a ser maior nos partos assistidos apenas por parteiras.
(AURELIANO BIANCARELLI)


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