|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
PARTEIRAS DA FLORESTA
Com 11 filhos e 20 netos, mulher já fez mais de 200 partos e é chamada de "madrinha"
Rossilda, 62, aprendeu a partejar com a avó
do enviado especial a Macapá
Boa parte dos moradores de Curiaú de Dentro e de Curiaú de Fora
chamam "dona" Rossilda Joaquina da Silva de madrinha. Rossilda,
62, 11 filhos e 20 netos, tem 30
anos como parteira e fez mais de
200 partos nos dois Curiaús, distritos do município de Macapá.
Os bairros são antigos quilombos e Rossilda conta que aprendeu
a partejar com a avó Joaquina, filha de escravos. Quinze anos atrás,
fez um estágio na maternidade local e agora está entre as parteiras
cadastradas, com direito a uma
cesta básica e a um kit que inclui
uma lanterna amarela.
Hoje Rossilda associa o que vem
aprendendo no estágio aos conhecimentos e recursos comuns às
parteiras da floresta. Emprega
chás de ervas, faz massagens
-"puxadas na barriga para ajeitar o bebê e tirar a dor"- e fica o
tempo todo junto da mãe.
"Confiança e coragem é o que
elas mais precisam", diz Rossilda.
Na maioria das vezes, ela diz que
apenas assistiu ao parto. "Quem
faz nascer é a mãe mesmo."
As mulheres que na sexta-feira
estavam chegando para o encontro das parteiras da floresta se
apresentavam justamente como
assistentes. Parto normal precisa
só de assistência, não de intervenção, elas diziam.
Rossilda está entre as parteiras
integradas a um programa e que,
teoricamente, pode recorrer a ajuda médica. "Mas milhares de
crianças nascem por aí e ninguém
sabe como", afirma Eli Almeida,
secretária do Trabalho e coordenadora do encontro de Macapá.
"Os governos nem sabem como
suas crianças estão nascendo."
Rossilda diz que as mulheres que
podem estão começando a preferir a maternidade. "Em casa, ficam com vergonha de gritar. No
hospital ninguém liga."
As parteiras são chamadas pelas
famílias assim que a mulher apresenta sinais de dilatação ou está
sentindo dores. "Sem dor ninguém nasce", diz Rossilda. É a
parteira quem corta o cordão umbilical e dá banho na criança. Faz
assim durante oito dias, cuidando
do bebê e ensinando a mãe. Depois a mãe seguirá uma dieta de 40
dias com caldo de galinha, mingau
de aveia e de banana. Não deve comer nem pato, nem piranha.
Rossilda afirma que nenhuma
mulher e nenhuma criança morreu em suas mãos e que nunca
precisou de ajuda médica.
Mas que já viu muita mulher sofrer, como da última vez, "uma
menina de primeira barriga" que
passou horas com dores.
Não há dados comparativos entre a mortalidade materna em partos realizados em casa e aqueles
feitos em hospital. Ivete Lourenço,
da Rede Nacional de Parteiras e da
ONG Cais do Parto, diz que o alto
número de cesáreas em hospital
aumenta os riscos de infecções para a mãe e o filho. Consequentemente, a mortalidade materna poderia ser maior nas maternidades.
Já a mortalidade infantil tende a
ser maior nos partos assistidos
apenas por parteiras.
(AURELIANO BIANCARELLI)
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|