São Paulo, sábado, 19 de setembro de 1998

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DATA VENIA

Descrédito do cheque

CARLOS HENRIQUE ABRÃO

Conceituado como ordem de pagamento à vista, no aspecto de facilitar a circulação da moeda e permitir agilidade nos negócios, configurando sinal substancial da riqueza, o título de crédito representado pelo cheque experimenta uma crise sem limites, provocando abalo do instituto, insegurança do mercado e incertezas em relação aos terceiros de boa-fé, na qualidade de portadores legitimados da cambial.
A crise de liquidez que acarreta o surto plural da inadimplência, com o desnaturar do cheque pelo uso na forma de pré-datado, instrumento de garantia e desconto bancário, bem demonstra uma preocupação das autoridades governamentais na reformulação de preceitos, posicionando o cheque na sua verdadeira função.
Vigorando há mais de 13 anos, o diploma normativo 7.357, de 2 de setembro de 1985, revela uma ampla disposição a respeito do instituto jurídico do cheque. Mas sua crise de identidade é mais profunda, e os sinais visíveis começam a surgir, procurando contaminar o controle e dar maior eficiência no seu mecanismo de instrumento de crédito.
Seguramente, prepara a evolução tecnológica o dinheiro plastificado, mediante código do usuário, e maneiras outras menos formais. Entretanto o universo de utilização do cheque é significativo, tendo o governo implementado um conjunto de medidas visando maior formalismo nas sustações e a criação de cadastro sobre as pessoas que fazem constante uso do procedimento. A partir de janeiro de 99, torna-se obrigatória a identificação do número do registro do cliente e a data da abertura da conta corrente.
As providências precisam ser acompanhadas de outras indispensáveis. Entre elas destacamos: maior rigor na abertura de conta corrente, com exigências e referências mais detalhadas sobre os clientes; levantamento de dados pessoais das unidades federativas pelo sistema interligado do banco de dados; valores mínimos de emissão, restringindo o uso desmesurado, falsificações e adulterações; recadastramento para valer de todas as contas em sintonia com os cadastros de pessoas jurídicas e físicas; controle imediato das sanções para os maus usuários, da multa à suspensão do cheque (e consequentemente do crédito) até punição que implique o afastamento daquele cliente do mercado. Até porque a ação penal pelo delito de estelionato tem sido temperada pelo pagamento ou pela composição entre o devedor e o credor, não incidindo a súmula 554 do Supremo Tribunal Federal, por ocorrer transação ou adimplemento da obrigação antes da denúncia.
Fundamental dispor que a melhoria da credibilidade do cheque passa por uma ação conjunta do Legislativo na reforma de alguns pontos da invocada lei, e do Executivo, em ditar regras palatáveis e eficazes para o mercado. Diretamente em razão das atividades que desempenham, os bancos e demais instituições financeiras devem ter um diagnóstico mais preciso sobre o cliente, reduzindo o risco da abertura de contas e operações de elevado fator aleatório, porquanto as taxas de juros praticadas no momento sirvam para alertar os menos avisados e afastar definitivamente os despreparados do setor de atração creditícia.


Carlos Henrique Abrão, 39, é juiz de direito e doutor em direito comercial pela USP



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