São Paulo, sábado, 19 de setembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LETRAS JURÍDICAS

Eficiência e Judiciário

WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas

Reconhecendo que a demora das demandas judiciárias, por anos a fio, gera descrença na Justiça, o ministro Carlos Mário da Silva Velloso, do Supremo Tribunal Federal (STF), examinou, em trabalho recente, as causas desse mal e ofereceu várias propostas de solução. Velloso tem ido muito além da importância e do trabalho próprio de seu cargo, para dedicar atenção aos problemas gerados pela chamada "crise do Judiciário", aflito por apontar alternativas. Vale a pena difundir sua posição.
O aumento geométrico do número de processos é o fato dramático da atualidade. Foi detonado pela crescente consciência social da importância da defesa do direito em juízo.
Corresponde, ainda, às numerosas ações propostas em favor de interesses difusos e coletivos, especialmente os do meio ambiente. Por fim, o aumento decorre da litigiosidade crescente do poder público, na União, nos Estados e municípios, como autor e réu.
Serviu para pôr a nu as deficiências da máquina judiciária, despreparada para a avalancha, dominada por antigos ritos, tradições e baldas.
Carlos Mário contrapõe a essa realidade, que reconhece, o número deficiente de juízes nas varas que fazem o primeiro contato com os autores e os réus de processos. A relação juiz por habitante, que resumo em números redondos, é espantosa: um juiz para 31 mil habitantes na Justiça Estadual; um para 165 mil na Justiça do Trabalho; um para 883 mil na Justiça Federal.
Em comparação, na antiga Alemanha Federal, nos anos 80, a relação era de um juiz para 4.000 habitantes.
Velloso também faz crítica à forma inadequada do recrutamento de magistrados. Pondera que, embora o concurso seja a melhor forma de selecionar servidores públicos, isso não basta. Parte da constatação de que o ensino em muitas faculdades de direito é fraco. Resulta um número de aprovados menor que o de vagas nos concursos. Muitos deles, embora conhecedores da teoria, não têm vocação judiciária ou não têm a menor prática da vida.
A realidade é agravada pelo mau aparelhamento administrativo, conforme anota o ministro do STF ao lembrar-se de juízes, Brasil afora, que nem sequer têm máquina de escrever. O subproduto nefasto está na propina para "tocar" (ou não "tocar") os processos, em cartórios e secretarias, contribuindo para agravar a descrença na atividade judicial.
Velloso retoma o tema das leis processuais. Critica o formalismo excessivo e o sistema irracional de recursos. Propõe soluções. Começa com o que os juristas chamam de eficácia "erga omnes" e com o efeito vinculante. A primeira corresponde a dizer que certas decisões têm validade mesmo para quem não tenha sido parte no processo. O efeito vinculante imporá a todos os tribunais e juízes do país a orientação adotada em acórdãos do STF no controle difuso da constitucionalidade das leis. Velloso vai além. Para ele, a vinculação seria estendida às súmulas da jurisprudência dominante, em decisões de recursos especiais no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e, de revista, no Tribunal Superior do Trabalho (TST).
O trabalho de Carlos Mario Velloso é denso e sua avaliação não cabe em uma só coluna. Voltarei a ele em mais de uma oportunidade (ainda que de modo descontínuo, para alternar com temas de atualidade) porque merece ser conhecido num cenário mais amplo que o das revistas especializadas, sobretudo pela coragem das propostas feitas.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.