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Moradora diz que lugar é esquecido por Deus
WILLIAN VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
"Parou tudo", diz Paulo Campello, 48, de braços cruzados
em seu lava-rápido, um dia
após o fim do mais longo caso
de cárcere privado do Estado
de São Paulo. É que ali ao lado,
Lindemberg Fernandes Alves
fez a ex-namorada refém na última segunda-feira. A polícia
fechou o edifício e a rua e negociou até sexta-feira, quando o
caso acabou de forma trágica.
Para quem vive no Jardim Santo André, em Santo André (SP),
além da comoção, ficou a ressaca econômica do caso.
"Aqui a polícia só vem para
estragar o negócio da gente",
diz Campello, que perdeu "uns
R$ 2.000" por não ter carros
para lavar. Luis Loiola, 51, dono
do bar em frente, também teve
de fechá-lo. A última pinga vendida foi segunda-feira à tarde. E
o empresário de carretos Arnaldo Ayres, 47, ficou revoltado. "O governo devia dar desconto no imposto da gente",
diz. O caminhão dele ficou dias
preso na rua.
Cárcere coletivo
"Ainda estamos curando a
ressaca do seqüestro [cárcere
privado], que é pior que a de
pinga". Ele perdeu R$ 2.500
nos quatro dias. Mas quem perdeu mesmo, diz, foram os traficantes da favela ao lado.
"A polícia aqui travou todo o
negócio deles", diz. "Como é
que eles venderiam as paradas
deles com o Gate aqui?"
"É bom que venham e vejam
que esse lugar é esquecido por
Deus, onde a polícia trata os
moradores que nem bandido",
diz Vanessa Cristina, 28, desviando dos jornalistas e apontando o esgoto que escorria a
céu aberto e as casas de madeira caindo.
"Não é que não tenha bandido aqui, tem, mas não é todo
mundo", diz Campello, com o
olhar baixo. Ele perdeu um
cliente amigo do filho, que passava todo dia por ali para lavar a
moto. No domingo, um dia antes de invadir a casa de Eloá,
não foi diferente: Lindemberg
foi ao lava-rápido antes de ir
procurar a ex-namorada. "Ainda discutimos, ele não queria
pagar. Se fosse bandido, podia
dar um tiro ali. Mas não, ele era
um bom menino."
A primeira coisa que Iraci
Souza de Queirós fez ao ganhar
liberdade foi trocar de roupa
para ir à missa, depois de cem
horas sem pôr os pés na igreja.
Evangélica, ela disse ao pastor,
por telefone, na segunda-feira,
que estava presa em casa. "Mas
o povo da igreja já acompanhava na TV", conta.
"Nós, do prédio, também fomos reféns", afirma -ela passou a semana trancada no apartamento ("ordens do Gate"),
com o marido e a filha do lado
de fora do imóvel. Ninguém podia sair ou entrar. Agora, livre,
"resta rezar".
"Vou pedir para o Senhor fazer uma obra na vida da Eloá",
diz Iraci. "O que é impossível
para gente, não é para Deus."
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