São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2008

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Moradora diz que lugar é esquecido por Deus

WILLIAN VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

"Parou tudo", diz Paulo Campello, 48, de braços cruzados em seu lava-rápido, um dia após o fim do mais longo caso de cárcere privado do Estado de São Paulo. É que ali ao lado, Lindemberg Fernandes Alves fez a ex-namorada refém na última segunda-feira. A polícia fechou o edifício e a rua e negociou até sexta-feira, quando o caso acabou de forma trágica.
Para quem vive no Jardim Santo André, em Santo André (SP), além da comoção, ficou a ressaca econômica do caso.
"Aqui a polícia só vem para estragar o negócio da gente", diz Campello, que perdeu "uns R$ 2.000" por não ter carros para lavar. Luis Loiola, 51, dono do bar em frente, também teve de fechá-lo. A última pinga vendida foi segunda-feira à tarde. E o empresário de carretos Arnaldo Ayres, 47, ficou revoltado. "O governo devia dar desconto no imposto da gente", diz. O caminhão dele ficou dias preso na rua.

Cárcere coletivo
"Ainda estamos curando a ressaca do seqüestro [cárcere privado], que é pior que a de pinga". Ele perdeu R$ 2.500 nos quatro dias. Mas quem perdeu mesmo, diz, foram os traficantes da favela ao lado.
"A polícia aqui travou todo o negócio deles", diz. "Como é que eles venderiam as paradas deles com o Gate aqui?"
"É bom que venham e vejam que esse lugar é esquecido por Deus, onde a polícia trata os moradores que nem bandido", diz Vanessa Cristina, 28, desviando dos jornalistas e apontando o esgoto que escorria a céu aberto e as casas de madeira caindo.
"Não é que não tenha bandido aqui, tem, mas não é todo mundo", diz Campello, com o olhar baixo. Ele perdeu um cliente amigo do filho, que passava todo dia por ali para lavar a moto. No domingo, um dia antes de invadir a casa de Eloá, não foi diferente: Lindemberg foi ao lava-rápido antes de ir procurar a ex-namorada. "Ainda discutimos, ele não queria pagar. Se fosse bandido, podia dar um tiro ali. Mas não, ele era um bom menino."
A primeira coisa que Iraci Souza de Queirós fez ao ganhar liberdade foi trocar de roupa para ir à missa, depois de cem horas sem pôr os pés na igreja. Evangélica, ela disse ao pastor, por telefone, na segunda-feira, que estava presa em casa. "Mas o povo da igreja já acompanhava na TV", conta.
"Nós, do prédio, também fomos reféns", afirma -ela passou a semana trancada no apartamento ("ordens do Gate"), com o marido e a filha do lado de fora do imóvel. Ninguém podia sair ou entrar. Agora, livre, "resta rezar".
"Vou pedir para o Senhor fazer uma obra na vida da Eloá", diz Iraci. "O que é impossível para gente, não é para Deus."


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