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Turistas fazem "tour do xixi" no centro de SP
9 dos 10 principais pontos de turismo histórico da capital têm cheiro de urina
Plano de desenvolvimento do turismo aponta que, se problema não for resolvido, atividade turística na região central pode ser prejudicada
WILLIAN VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Os turistas seguem a guia em
fila indiana, câmera em punho,
para nada perder do centro da
maior metrópole do hemisfério
Sul. Mas o que a lente não vê, o
nariz sente. E eles não escondem o desagrado com o fedor.
Dos dez principais pontos de
turismo histórico de São Paulo,
segundo agências que fazem
tours (indicadas pela SPTuris)
e o sindicato dos guias de turismo, nove têm um cheiro, no mínimo, marcante de urina.
A Folha saiu às ruas do centro para perfazer a rota dos turistas, disposta a ter experiências olfativas. E teve, das poças
de urina em torno da estátua de
Carlos Gomes, no Teatro Municipal, ao cheiro que segue o
turista da Catedral da Sé ao Páteo do Colégio (fora os flagrantes de gente urinando). O centro tem focos de fedor bem nos
pontos de turismo histórico.
E o cheiro começa no começo -é no Páteo do Colégio, onde José de Anchieta fundou o
Colégio dos Jesuítas, tido como
marco inicial da cidade de São
Paulo, que os transeuntes preferem urinar.
"Os homens adoram os cantinhos e as mulheres, os ralos",
diz Gilberto da Costa, 51, segurança que trabalha sentado na
esquina do Páteo com o Solar
da Marquesa. "Tem dia que
eles chegam sem cerimônia. Aí
eu digo: "perto de mim, não"." E
ele aponta os locais "críticos":
do ralo sem tampa às manchas
de cloro e urina.
Foi ali que a paulistana Palmira Loprano levou a colega
canadense Petra Schmidt para
conhecer a história da cidade
-"Sé, Páteo, só lugar de cheiro", diz. Petra ri. "Vancouver
também fede no centro, mas lá
não é turístico."
Pior, diz a amiga, "não é pro
turista, que vai embora, mas
pra quem fica". A prova é o museu do Páteo, onde descobre
que o banheiro custa R$ 2. "É
absurdo, tem mais é que mijar
na rua mesmo", afirma.
Triste semblante
É meia-noite no centro. Pessoas dormem enfileiradas nas
portas do edifício Altino Arantes, cujo mirante em 360º desvela a cidade durante o dia. À
noite, ficam ali sozinhas, com
seus trapos e garrafas, sem sanitário aberto em quilômetros.
Resultado: fedor pela manhã.
"É difícil ver o semblante do
turista que chega ao Municipal
e sente aquele cheiro desagradável", diz Carlos Silvério, diretor do Sindicato dos Guias de
Turismo do Estado de São Paulo. "Mas não podemos desviar o
turista dos pontos históricos."
Segundo pesquisa de demanda feita pela SPTuris (empresa
municipal que administra o turismo em São Paulo) em 2007,
a maioria dos turistas elogia a
oferta de hotéis, teatros e museus (um terço dá nota máxima, de 1 a 7, a tais quesitos),
mas critica a sujeira das ruas:
46,6% dá 1 e 2, no item limpeza,
para o centro (praticamente a
mesma nota da segurança).
E o Plano de Desenvolvimento Turístico do Centro da Cidade de São Paulo, da SPTuris, diz
que "a qualidade da limpeza
pública ainda não está no nível
adequado" e que "a atividade
turística na região pode ser prejudicada, se não equacionar
questões como a limpeza".
"Ali, a pessoa sente mesmo o
odor desagradável", diz Aline
Delmanto, gerente de planejamento da SPTuris. "Mas a
questão é complicada de resolver." De 10.399 moradores de
rua que viviam na cidade em
2003, segundo a prefeitura,
71% dormem na rua -42,98%
deles na Subprefeitura da Sé;
que é onde estão os pontos de
turismo histórico. Sem contar
os transeuntes que também
urinam em espaços públicos.
Em 2007, São Paulo recebeu
10 milhões de turistas, metade
a negócios, segundo a SPTuris.
Em 2008, devem ser 12 milhões
-ainda mais agora que a cidade
entrou na lista das dez mais para visitar do guia Lonely Planet.
Nas centrais de informações
turísticas do centro, a procura
já é de 10% maior que em 2007.
"O centro é o coração do turismo histórico de São Paulo",
diz Delmanto. Em uma área de
0,37% da cidade, há igrejas,
prédios e monumentos, que alimentam os "tours". O Turismetrô, da prefeitura, tem três de
cinco roteiros focados no centro (saindo da Sé).
Latrina a céu aberto
"Mas a Sé é uma latrina a céu
aberto", diz Creuza Zanelli, comerciante que põe sacolas no
cadeado da loja assim que fecha
-"no outro dia estão cheias de
xixi." "Aqui, na Sé, o cheiro é
pior nos tapumes de reforma
da prefeitura, que as pessoas fazem de sanitário", afirma.
"Fazem na rua porque são
sem-vergonhas", diz Luis Carlos Silva, morador de rua, ao
deixar o banco da praça por
causa da água pressurizada jogada pela prefeitura, e se encostar no marco zero da cidade.
Ele aponta para o chão e diz que
só faz necessidades no banheiro do metrô. E à noite, quando
fica fechado? "Não faço nada."
Mas é na madrugada que o
cheiro acumula. "Quando abre
de manhã, o cheiro é de matar",
diz o segurança da Faculdade
de Direito da USP, no Largo São
Francisco. "Eles não respeitam
nem as coitadas das estátuas."
Que o diga a marca de urina no
busto de Álvares de Azevedo.
Juares Fernandes, 47, tomou
uma atitude. Como as pessoas
insistiam em urinar na sua banca no Largo São Bento, em frente ao mosteiro onde o papa
Bento 16 ficou hospedado, ele
colocou faixas amarelas de interdição (das usadas para isolar
cenas de crime). Agora, para
urinar ali, é preciso pontaria.
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