São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2008

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Turistas fazem "tour do xixi" no centro de SP

9 dos 10 principais pontos de turismo histórico da capital têm cheiro de urina

Plano de desenvolvimento do turismo aponta que, se problema não for resolvido, atividade turística na região central pode ser prejudicada

WILLIAN VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Os turistas seguem a guia em fila indiana, câmera em punho, para nada perder do centro da maior metrópole do hemisfério Sul. Mas o que a lente não vê, o nariz sente. E eles não escondem o desagrado com o fedor.
Dos dez principais pontos de turismo histórico de São Paulo, segundo agências que fazem tours (indicadas pela SPTuris) e o sindicato dos guias de turismo, nove têm um cheiro, no mínimo, marcante de urina.
A Folha saiu às ruas do centro para perfazer a rota dos turistas, disposta a ter experiências olfativas. E teve, das poças de urina em torno da estátua de Carlos Gomes, no Teatro Municipal, ao cheiro que segue o turista da Catedral da Sé ao Páteo do Colégio (fora os flagrantes de gente urinando). O centro tem focos de fedor bem nos pontos de turismo histórico.
E o cheiro começa no começo -é no Páteo do Colégio, onde José de Anchieta fundou o Colégio dos Jesuítas, tido como marco inicial da cidade de São Paulo, que os transeuntes preferem urinar.
"Os homens adoram os cantinhos e as mulheres, os ralos", diz Gilberto da Costa, 51, segurança que trabalha sentado na esquina do Páteo com o Solar da Marquesa. "Tem dia que eles chegam sem cerimônia. Aí eu digo: "perto de mim, não"." E ele aponta os locais "críticos": do ralo sem tampa às manchas de cloro e urina.
Foi ali que a paulistana Palmira Loprano levou a colega canadense Petra Schmidt para conhecer a história da cidade -"Sé, Páteo, só lugar de cheiro", diz. Petra ri. "Vancouver também fede no centro, mas lá não é turístico."
Pior, diz a amiga, "não é pro turista, que vai embora, mas pra quem fica". A prova é o museu do Páteo, onde descobre que o banheiro custa R$ 2. "É absurdo, tem mais é que mijar na rua mesmo", afirma.

Triste semblante
É meia-noite no centro. Pessoas dormem enfileiradas nas portas do edifício Altino Arantes, cujo mirante em 360º desvela a cidade durante o dia. À noite, ficam ali sozinhas, com seus trapos e garrafas, sem sanitário aberto em quilômetros. Resultado: fedor pela manhã.
"É difícil ver o semblante do turista que chega ao Municipal e sente aquele cheiro desagradável", diz Carlos Silvério, diretor do Sindicato dos Guias de Turismo do Estado de São Paulo. "Mas não podemos desviar o turista dos pontos históricos."
Segundo pesquisa de demanda feita pela SPTuris (empresa municipal que administra o turismo em São Paulo) em 2007, a maioria dos turistas elogia a oferta de hotéis, teatros e museus (um terço dá nota máxima, de 1 a 7, a tais quesitos), mas critica a sujeira das ruas: 46,6% dá 1 e 2, no item limpeza, para o centro (praticamente a mesma nota da segurança).
E o Plano de Desenvolvimento Turístico do Centro da Cidade de São Paulo, da SPTuris, diz que "a qualidade da limpeza pública ainda não está no nível adequado" e que "a atividade turística na região pode ser prejudicada, se não equacionar questões como a limpeza".
"Ali, a pessoa sente mesmo o odor desagradável", diz Aline Delmanto, gerente de planejamento da SPTuris. "Mas a questão é complicada de resolver." De 10.399 moradores de rua que viviam na cidade em 2003, segundo a prefeitura, 71% dormem na rua -42,98% deles na Subprefeitura da Sé; que é onde estão os pontos de turismo histórico. Sem contar os transeuntes que também urinam em espaços públicos.
Em 2007, São Paulo recebeu 10 milhões de turistas, metade a negócios, segundo a SPTuris. Em 2008, devem ser 12 milhões -ainda mais agora que a cidade entrou na lista das dez mais para visitar do guia Lonely Planet. Nas centrais de informações turísticas do centro, a procura já é de 10% maior que em 2007.
"O centro é o coração do turismo histórico de São Paulo", diz Delmanto. Em uma área de 0,37% da cidade, há igrejas, prédios e monumentos, que alimentam os "tours". O Turismetrô, da prefeitura, tem três de cinco roteiros focados no centro (saindo da Sé).

Latrina a céu aberto
"Mas a Sé é uma latrina a céu aberto", diz Creuza Zanelli, comerciante que põe sacolas no cadeado da loja assim que fecha -"no outro dia estão cheias de xixi." "Aqui, na Sé, o cheiro é pior nos tapumes de reforma da prefeitura, que as pessoas fazem de sanitário", afirma.
"Fazem na rua porque são sem-vergonhas", diz Luis Carlos Silva, morador de rua, ao deixar o banco da praça por causa da água pressurizada jogada pela prefeitura, e se encostar no marco zero da cidade. Ele aponta para o chão e diz que só faz necessidades no banheiro do metrô. E à noite, quando fica fechado? "Não faço nada."
Mas é na madrugada que o cheiro acumula. "Quando abre de manhã, o cheiro é de matar", diz o segurança da Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco. "Eles não respeitam nem as coitadas das estátuas." Que o diga a marca de urina no busto de Álvares de Azevedo.
Juares Fernandes, 47, tomou uma atitude. Como as pessoas insistiam em urinar na sua banca no Largo São Bento, em frente ao mosteiro onde o papa Bento 16 ficou hospedado, ele colocou faixas amarelas de interdição (das usadas para isolar cenas de crime). Agora, para urinar ali, é preciso pontaria.


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