São Paulo, quinta-feira, 19 de dezembro de 2002

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SÃO VICENTE

Programa do município estimula a delação de motoristas que abordam prostitutas e travestis em bairro nobre

Prefeitura usa carta para coibir prostituição

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A Prefeitura de São Vicente, na Baixada Santista, juntamente com moradores de alguns de seus bairros nobres, encontrou uma fórmula para acabar com a prostituição em suas ruas: anotar as placas dos carros que rondam os travestis e prostitutas, obter os nomes e endereços dos proprietários na Secretaria de Trânsito e enviar cartinhas para suas casas.
Com um requinte: a carta é assinada pela Coordenação Municipal de DST (doenças sexualmente transmissíveis)-Aids, órgão da Secretaria da Saúde, e tem o propósito de "alertar o morador dos riscos que está correndo" ao fazer sexo com aqueles profissionais.
A fórmula provocou a condenação da Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo (OAB-SP), do Programa Nacional de DST-Aids do Ministério da Saúde e do Grupo Hipupiara, ONG citada como parceira nessa proposta.
"É uma aberração que atenta contra os direitos da pessoa, uma invasão de privacidade proibida pela Constituição", disse Romualdo Galvão Dias, conselheiro e corregedor do Tribunal de Ética da OAB (leia texto nesta página).
Para a psicóloga Abigail Baraquet, que lidera o grupo Ação Comunitária e esteve na reunião que decidiu pelas cartinhas, quem está tendo sua privacidade invadida são os moradores. "Os travestis ficam nus, fazem suas necessidades ali mesmo e jogam suas camisinhas nas nossas portas", disse.
Há cerca de três anos travestis e prostitutas vêm se concentrando ao longo da rua Freitas Guimarães, no bairro Boa Vista, depois que as ruas principais da região foram iluminadas e tiveram o policiamento reforçado.
Segundo o Programa Municipal de DST-Aids, cerca de 80 profissionais do sexo "trabalham" no local. "Estamos naquela área há anos e fazemos cerca de 300 atendimentos por mês", diz Ilham el Maerrawi, que coordena o programa. Até ontem, ela ainda não tinha informações sobre a proposta da prefeitura.
Para a Secretaria de Imprensa e Comunicação Social da prefeitura, a decisão foi tomada por iniciativa dos moradores. Há anos eles estariam se queixando da prostituição no local, mas o movimento continuou mesmo com a ação da polícia.
Na mesma rua Freitas Guimarães fica o 39º Batalhão da Polícia Militar, sede da PM na região.
A pedido dos moradores, foi criada a Polícia Comunitária, que vigia uma área que abrange os bairros de Boa Vista, Itararé e parte do centro. "Junto com o Grupo Ação Comunitária, foi criada a campanha Vizinho Alerta, de forma que os moradores colaborem uns com os outros", diz o major Ailton Araujo Brandão, comandante do 39º BPM. "Nossa preocupação é com os delitos que vêm junto com a prostituição, o tráfico, a violência. A idéia de anotar as placas e enviar cartas foi acertada dentro da prefeitura", diz.
Para Abigail Baraquet, líder do movimento, a estratégia de alertar os clientes é uma forma de "ajudar a administração no trabalho de prevenção contra a Aids". "Aumentando a prostituição, aumentam-se também os riscos. A carta será de esclarecimento sobre Aids. Cada um vai receber a carta como acha que deve receber."
Beto Volpe, que dirige o Grupo Hipupiara, disse que a ação da prefeitura e dos moradores é "equivocada" e que só traz danos. A sede da ONG fica na mesma rua Freitas Guimarães e os militantes têm uma relação cotidiana com travestis e prostitutas do local. "A ação da prefeitura, ligando o grupo a uma ação da polícia, joga por terra todo nosso trabalho", diz.


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