São Paulo, quinta-feira, 20 de janeiro de 2005

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MUDANÇA DE RAMO

Em São João de Meriti, quatro prédios foram invadidos e outros três alugam quartos para famílias

Motéis desativados viram moradia no RJ

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
Famílias na porta do Nosso Hotel, próximo à Linha Vermelha, motel na cidade de São João de Meriti que foi saqueado antes da invasão


SÉRGIO RANGEL
DA SUCURSAL DO RIO

Na cidade de maior densidade demográfica do Brasil, os antigos motéis da via Dutra estão virando moradias. Em São João de Meriti (a 35 km do Rio), quatro motéis desativados já foram invadidos por famílias. Outros três estabelecimentos ainda em funcionamento deixaram de lado o principal filão -encontro de casais- para alugar os seus quartos como ""minirresidências".
O último a ser invadido foi o Nosso Hotel, localizado próximo à Linha Vermelha. Trinta e três famílias moram no prédio de três andares, que foi totalmente saqueado antes da invasão. Sem luz e água, as famílias transformaram as antigas suítes em casas.
""Viemos parar aqui porque nem na favela estávamos conseguindo pagar o aluguel", disse a pernambucana Eliane Guedes, 29. Desempregada, ela mora com o marido, que é pedreiro, três filhos e a irmã em duas antigas suítes.
Os espelhos, a cama redonda e as janelas dos quartos foram vendidas pela família para ajudar na compra de comida.
"Infelizmente, com a renda que o meu marido tem, só posso viver aqui. No meu caso, não vejo nenhum problema em morar num motel. O importante na minha vida é ter um lugar para fugir da chuva e da violência da rua", disse a alagoana Heleonora Borges, 25, que vive com os dois filhos em uma pequena suíte de cerca de 20 metros quadrados.
O marido de Heleonora trabalha como camelô nas ruas do centro do Rio de Janeiro e ganha cerca de R$ 350 por mês. Apesar da falta de estrutura do prédio do antigo motel, que foi tomado pela prefeitura local por dívidas do antigo proprietário com o IPTU, o prédio conta com um síndico, que tenta administrar os principais problemas dos moradores.

Concentração
Assim como no Nosso Hotel, cerca de 50 famílias vivem na mesma situação em outros motéis desativados da cidade da Baixada Fluminense, que tem a maior concentração populacional do país. De acordo com o último Censo, São João do Meriti tem 12.897,81 habitantes por km2.
Com densidade demográfica superior à de Cingapura, na Ásia (5.460 habitantes por km2), uma espécie de cidade-Estado, a população da cidade de 34,9 km2 é de 449.229 moradores.
A onda de invasões e a crise financeira do setor no município fluminense assustaram os proprietários dos motéis. Eles estão descaraterizando os antigos quartos para agradar à nova clientela. Foram retiradas as camas redondas, os espelhos, as banheiras e as piscinas dos apartamentos. Para dar um toque mais familiar ao ambiente, móveis comportados foram colocados nos novos quartos, e cozinhas foram adaptadas nas ante-salas.
"Estamos fazendo isso para não fechar. O movimento caiu muito nos últimos anos, e a solução está sendo alugar quartos também para trabalhadores. Por vários motivos, aumento da concorrência dentro da cidade do Rio, a crise financeira, a Aids, não está dando para viver só de amor", disse Severino Gaspar, que trabalha há mais de 45 anos no ramo na Via Dutra. Ele é dono do motel Astra, que já teve mais de 100 quatros, mas, por economia, só tem 50 abertos atualmente.
Desde o ano passado, Gaspar decidiu mudar o perfil dos seus clientes. "Não estou arrependido. Agora, é o hóspede que segura a casa", disse o proprietário do motel, que cobra R$ 20 por dia de cada cliente. Na última quinta-feira, 15 quartos estavam ocupados por hóspedes. A maioria vive há mais de seis meses no hotel.

Contrato anual
O dono do antigo motel Puebla foi mais radical. Acabou com os encontros de casais e só aluga os apartamentos por pelo menos um ano. Dos 70 quartos, 37 estavam ocupados. ""Vivo bem com a minha mãe e todos nos respeitam", disse o estudante Airon Santana, 18, que prestará vestibular para a Faculdade de Matemática da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Há sete meses, ele mora com a mãe em uma pequena suíte de cerca de 40 m2, com quarto, cozinha e banheiro. A mãe, que trabalha nos finais de semana como garçonete, paga R$ 150, sendo R$ 30 de condomínio.
""O único problema é que as pessoas sempre se assustam quando vêm me visitar e ficam sabendo que moro num motel desativado", brinca a cantora Aline Dias, vizinha de Santana, que ocupa, há dois meses, um apartamento próximo de um desenho desbotado de uma mulher nua.


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