São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 2000


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EDUCAÇÃO
Carreiras menos concorridas concentram estudantes carentes mesmo nas universidades públicas
Desigualdade social está nos cursos

da Reportagem Local

As pesquisas sobre estudantes de baixa renda que conseguiram chegar ao ensino superior desmentem o consenso de que "pobre vai para a universidade particular, e rico consegue a vaga na instituição pública".
Na verdade, esses dois tipos de estudantes se diferenciam pelo curso que escolhem, e não pela instituição.
"O perfil do aluno de um curso de medicina de uma universidade particular é quase o mesmo do que é aprovado em uma pública. A desigualdade no acesso ao ensino superior não se dá entre instituições, mas sim entre cursos", afirma a antropóloga da UFRJ Yvonne Maggie.
Os dados dos aprovados no vestibular da Fuvest comprovam o estudo da antropóloga.
Do total de alunos que passaram no curso de letras, 21,6% afirmaram não ter carro em casa, 43,5% disseram ter um e 34,5%, dois ou mais.
Em medicina, no entanto, apenas 4,3% afirmaram não ter carro em casa, 24% disseram que existe apenas um carro e os restantes 71% informaram que têm dois.
Liliane de Souza Castro, 20, sempre sonhou em ser jornalista. Em 98, prestou o vestibular da Fuvest para área, mas nem sequer passou para a segunda fase do concurso.
Decepcionada, no ano passado, ela abandonou a vocação. Inscreveu-se novamente no vestibular da USP, mas para tentar uma vaga em pedagogia.
Foi aprovada.
"Não quis arriscar. Deixei para tentar jornalismo em uma universidade menos concorrida, a Unesp", afirma. A estratégia também não deu certo. Acabou se matriculando em pedagogia.
Liliane começou a trabalhar aos 14 anos para ajudar no orçamento dos pais -um motorista de ônibus e uma operária de fábrica.
Por mais que a preparação para o vestibular durante o ano passado visasse o curso menos concorrido, ela conta que o esforço para conquistar a vaga foi grande.
"Estudava de madrugada por causa do barulho durante o dia. Minha casa ainda não tem nenhuma parede. É como se fosse uma caixa de fósforos virada de cabeça para baixo com dois furos. Um é a janela, o outro é a porta."
Apesar de haver universitários de famílias com baixa renda nas universidades, a antropóloga da UFRJ explica que isso tem um limite. Os alunos considerados de baixa renda têm ganho familiar mensal médio de no mínimo seis salários mínimos. "Abaixo dessa linha, porém, são muito raros os casos de sucesso nos vestibulares", diz Yvonne Maggie .

Elitização
Um dado do estudo Dez Anos Depois, das professoras Elis Cristina Fiamengue e Dulce Consuelo Andreatta Whitaker, ambas da Unesp, mostra que a elitização de cursos mais concorridos se acentuou na década passada.
As duas fizeram uma comparação entre o perfil dos candidatos que foram aprovados na Universidade Estadual Paulista em 1985 e dos que passaram em 1995.
Dos candidatos aprovados para medicina em 1985, 68,9% deles haviam feito todo o ensino fundamental em escola pública.
Dez anos depois, o número de alunos que passaram para o curso e haviam feito todo o antigo primeiro grau em escola pública foi de apenas 24%, enquanto os que cursaram escolas particulares representaram 59% do total.


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