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GILBERTO DIMENSTEIN
Vidas invisíveis
Vítima da talidomida, Cláudia
Marques Maximino, 37 anos, não
tem pernas e parte dos braços -
mas graças à Internet, ela se
transformou em objeto de exploração sexual, acionando investigação do Ministério da Justiça,
conduzida, agora, pela Polícia Federal. Representante das vítimas
da talidomida no Brasil, Cláudia
recebeu um e-mail, redigido em
Paris, propondo encontros amorosos.
Intrigada com a correspondência, ela averiguou e descobriu o
motivo da proposta: fora exposta,
clandestinamente, numa página
da Internet, localizada na Alemanha, com ramificações internacionais, de um grupo batizado de
"devotees".
Numa aberração do tipo pedofilia, o prazer dos "devotees" está
em manter relações sexuais com
portadores de deficiência física; a
Internet ajudou-os a ganhar escala planetária. No Brasil, o site foi
batizado de "Amputadas On line". "É uma violência ver-se exposta desse jeito", afirma Cláudia
que, ao analisar a página, constatou mais abusos, inclusive contra
adolescentes brasileiras com deficiência física.
Por determinação do secretário
de Direitos Humanos, José Gregori, a Polícia Federal persegue a rede, no Brasil, dos "devotees" - o
problema, a rigor, não é a perversão, mas piratear fotos.
"É crime", afirma Tânia Maria
de Almeida, responsável pela
Corde (Coordenação Nacional
para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência), do Ministério da Justiça.
Essas descobertas sobre exploração pela Internet engrossam os
motivos para o Ministério da Justiça lançar campanha contra os
mais variados casos de abuso sexual contra portadores de deficiência, disseminados no país.
Só na Bahia já existe um dossiê,
montado pela Associação Bahiana, com o registro, ano passado,
de 90 casos de abuso - muitos
deles, de deficientes mentais.
Fui forçado a escolher entre mil
palavras para perguntar a Cláudia, uma brava militante dos direitos humanos, reconhecida internacionalmente, se, afinal, alguém atraído por esse tipo de sexo
cometeria, a rigor, uma delinquência.
Desconsidere-se, aqui, a clara
ilegalidade de alguém usar, às escondidas, fotos alheias.
Segundo ela, esse submundo
dos "devotees" é movido apenas
por perversão. "E perversão é perversão", afirma.
Tanto para o bem como para o
mal, o fato é que a Internet aproxima as pessoas, abrindo possibilidades jamais imaginadas -
basta ver a rede de pessoas que
procuram ajuda e acham soluções ou apoio para seus parentes
doentes.
Na semana passada, desta vez
com o timbre da prestigiosa Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, uma ampla pesquisa
apontou aspectos malignos da Internet.
Os encantos da rede estariam
provocando isolamento. Escravas
da navegação digital, as pessoas
ficariam horas e mais horas diante da tela, trancadas no quarto,
sem ver os amigos e familiares.
Informo ao leitor minha predileção: conversar ao vivo com os
amigos, olho no olho, rindo, gargalhando, se emocionando, é disparado, um dos melhores prazeres na vida.
Quem não descobriu o prazer
do bate-papo não atingiu um
grau mínimo civilizatório.
Daí a culpar a Internet pelo isolamento me parece terrorismo
psicológico.
Nem vou citar a televisão, que
gruda as crianças, na maior parte
do tempo, em bobagens feitas
quase sempre para vender bobagens. A programação adulta, tirando as exceções, em geral na
TV por assinatura, é o desfile de
imbecilidades.
A televisão virou obstáculo para
a gostosa conversa das famílias
na hora do jantar, costume do
tempo dos meus avós.
Por acaso, alguém ficar trancado só lendo livros é tão menos desumano do que a prisão na tela?
O que provoca o isolamento
não é a tecnologia - as máquinas apenas acentuam uma tendência nutrida dentro da sociedade.
O isolamento é fruto de uma visão individualista, cínica até, sem
valores comunitários, na ética e
ótica do "cada um por si e ninguém por todos".
Não se ensina a cooperar, mas
apenas competir; o padrão do sucesso é aquele de quem briga para
ser mais rico e mais famoso.
Mergulhados em seus problemas e agendas lotadas, pais não
conversam com os filhos - e, depois, a culpa do isolamento é da
tecnologia.
A sociedade vai ficando mais
moderna, oferece mais oportunidades, e vamos, paradoxalmente,
ficando com menos tempo. Ganhamos visibilidade virtual e invisibilidade real.
Usar bem a Internet é tirar proveito da tecnologia para ganhar
tempo e ter mais espaço ao convívio humano.
Fora disso, é a tecnologia inteligente a serviço da burrice. Ou da
perversão.
PS- Para compensar a perversão na Internet. A fotógrafa Letícia Valverdes passou os últimos
dois anos andando pelas grandes
cidades brasileiras, descobrindo e
registrando a feminilidade e a beleza das meninas de rua - árdua
tarefa sair da óbvia denúncia da
tragédia à procura também do
belo. A série se chama "Vidas Invisíveis".
A exposição ainda está sem data, mas uma amostra já pode ser
vista, com exclusividade, no UOL,
pelo endereço www.aprendiz.com.br/
E-mail: gdimen@uol.com.br
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