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LETRAS JURÍDICAS
Que é a verdade?
WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas
A pergunta clássica de Pilatos sobre o que é a verdade, encontrada no Evangelho de São
João, retorna ao trabalhador do
direito toda vez que lhe caiba
distinguir claramente situações
de fato, das quais receba versões diferentes e até contraditórias. A velha pergunta e as respostas que lhe podem ser dadas
mesclam, nos mundos diversos
da ética e do jurídico, armadilhas agravadas pela revolução
tecnológica atual, da comunicação globalizada, subvertendo
velhas instituições.
Tome-se o exemplo da acusação do economista Paul Krugman, de conduta ilícita ou, pelo
menos, de grave falha ética,
atribuída a Armínio Fraga,
presidente do Banco Central do
Brasil. Krugman disse -e a comunicação instantânea ampliou- que Fraga permitiu jogada do investidor internacional George Soros, ao qual servia, dando-lhe grande lucro.
Krugman voltou atrás, dizendo que não disse o que disse,
mas o mal está feito, mostrando
a reiterada impossibilidade da
resposta definitiva para a questão de Pilatos, quando aplicada
em concreto.
O operário jurídico tem pouco
ou nenhum interesse em saber
quais os padrões morais de
Krugman, ou se ele tem autoridade para fazer insinuações sobre quem quer que seja. Imprudente já se sabe que é. Mas, se
chegasse a hora de discutir a
questão do dano causado e de
sua responsabilização, seria
apenas um cidadão maior e capaz, apto a responder pelos seus
atos, por meio do devido processo legal. Independentemente
da seriedade ou da falta da sociedade de Krugman, as falas
do economista também propõem a pergunta: o que é a verdade na economia? Os conflitos
das correntes teóricas são tão
extensos que se pode até repetir
a dúvida criada por Shakespeare, na primeira parte do Henrique 4º: "A verdade não é a verdade?"
O universo jurídico não é melhor. Nele, verdade e mentira
não são antinômicas, ou seja,
não são necessariamente opostas ou em contradição. Nesse
universo, as zonas cinzentas
sempre existem ou podem ser
criadas, o que transforma a garantia constitucional do artigo
5º (vida, honra e privacidade
são invioláveis) em meras possibilidades, mas não em obstáculos efetivos, contra a ofensa
ou para assegurar punição de
ofensor. Quando a versão, qualquer que seja a respeitabilidade
da fonte, se sobrepõe ao fato,
não há verdade que sobreviva.
O presidente do Banco Central tem meios para expor seu
lado da questão, mas não basta.
O desprestígio moderno da veracidade terminou impondo a
crença em tudo o que seja mau
ou negativo e a passagem das
referências boas para o campo
dos interesses ocultos ou da badalação.
A velha máxima jurídica de
que os fatos falam por si mesmos (ou, em latim, "res ipsa loquitur") não vale mais, ante a
impossibilidade de apartar claramente o fato de sua versão ou
de suas versões. As soluções possíveis -nenhuma das quais
perceptível a curto prazo-consistem em reconhecer a subsistência da verdade relativa. Na
comunicação social, consistem
em contrapor a divulgação de
uma "verdade/ mentira" declarada por alguém à "mentira/
verdade" do atingido, em rigoroso equilíbrio temporal e de
espaço, de modo a permitir que
o dever de informar seja cumprido e, agora mais do que nunca, o direito de ser informado
seja plenamente garantido. É
uma forma de preservar a lei.
Mais que isso: de garantir a democracia.
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