São Paulo, domingo, 20 de março de 2005

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JUVENTUDE ENCARCERADA

Moradores de bairro em ascensão torcem pela transformação de complexo em área de lazer

Propaganda de novo prédio omite Febem

DA REPORTAGEM LOCAL

O material promocional de um megaempreendimento imobiliário no Tatuapé, com 28 torres de apartamentos bem ao lado da Febem conflagrada por rebeliões, vem com um mapa de localização. No lugar onde hoje estão internados 1.900 adolescentes com suas histórias de fugas em massa, pode-se ler sobre sugestivo fundo verde: "Futura implantação do parque do Belém". Nenhuma menção aos jovens infratores.
Na sexta-feira passada, ao saber que o governador Geraldo Alckmin (PSDB) ordenara o início da remoção de 700 adolescentes internados da Febem do Tatuapé para outras regiões do Estado, o administrador de empresas Norberto Mensório, 53, presidente do Conselho Comunitário de Segurança do 81º Distrito Policial do Belém, já fazia planos: "A piscina da Febem e as quadras esportivas, depois que os internos saírem, serão reformadas e aumentarão as alternativas de lazer do bairro."
O Tatuapé está de olho na área de 292 mil m2, localizada entre as ruas Ulisses Cruz e Nelson Cruz e a marginal Tietê, ocupada pelos prédios da fundação.
"É que a Febem já não combina com o Tatuapé", diz a comerciante Ophélia Buittoni, de 63 anos, referindo-se ao crescimento vertiginoso experimentado nos últimos tempos pelo bairro.
Desde o início dos anos 80, os cidadãos tatuapeenses têm assistido à transformação do bairro em uma espécie de oásis na zona leste da capital. De antiga região industrial, o Tatuapé converteu-se em área nobre, vice-campeã de lançamentos imobiliários de São Paulo (perde apenas para o Morumbi).
No pedaço mais luxuoso do bairro, o Jardim Anália Franco, apartamentos avaliados em R$ 4 milhões dividem espaço com lojas de grifes estreladas, como as que se encontram nos shoppings Iguatemi ou Higienópolis.
Uma das melhores escolas de São Paulo, o colégio Agostiniano Mendel, do Tatuapé, é responsável pela colocação de um número crescente de alunos da zona leste nas mais disputadas faculdades da Universidade de São Paulo. É, por isso, que o Mendel orgulhosamente atende pelo apelido de "Bandeirantes da zona leste", alusão ao colégio da zona sul famoso pelo alto nível acadêmico.
O prestígio que o Tatuapé conquistou é tamanho que ele empresta o nome a pedaços inteiros de bairros do entorno, como Mooca, Vila Carrão, Belém e Penha, nos folhetos promocionais dos empreendimentos. Uma forma de valorizar a mercadoria, como acontece com o entorno do Morumbi ou da Vila Olímpia.
Mas na semana passada a dona-de-casa Arlete Amaro previa a desvalorização do bairro, resultado da freqüência com que vem aparecendo no noticiário policial por causa das rebeliões na Febem.
"Eu queria oferecer o meu apartamento para o governador Geraldo Alckmin vir passar uns tempos aqui, ver o que estamos sofrendo", desafiou Arlete.
"Eu dei uma entrevista à RedeTV! falando sobre o drama que é conviver com essa violência. Contei onde morava e levei uma bronca do condomínio onde vivo, que me acusou de desvalorizar o prédio. Mas não sou eu quem está desvalorizando nada. É a Febem", afirmou Margareth Bueno, promoter, moradora a 200 metros da Febem e que estava decidida a mudar de bairro.

Ação e reação
Na terça passada, um grupo de exaltados vizinhos reunidos para discutir formas de pressionar o governo a resolver o problema da Febem calculava: os imóveis do bairro perderam, desde o dia em que se iniciou a atual crise da instituição, 40% do valor de revenda.
O início da remoção dos adolescentes, na sexta-feira, inverteu os ânimos. "O Alckmin é mesmo um estadista. Estou orgulhoso do governador", disse Mensório.
Enquanto o Tatuapé se reencontrava com sua vocação de meca da zona leste, a 663 km de São Paulo a pequena cidade de Tupi Paulista, com 13.480 habitantes, preparava-se na sexta-feira para receber os primeiros 100 de 700 jovens que serão transferidos da Febem do Tatuapé.
Ex-cidade cafeeira, Tupi quebrou em meados dos anos 70, quando uma geada destruiu a produção. Tentou se recuperar plantando uva de mesa, mas caiu ainda mais. De 2ª melhor cidade do Estado de São Paulo em 1996, segundo o ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), despencou (em apenas oito anos) para a 222ª posição.
"Perdemos qualidade de vida, perdemos população, que migrou [a cidade chegou a ter 30 mil almas nos anos 70]. Agora, ficamos até alegres por receber os menores infratores. Por causa deles foram gerados 200 empregos e a cidade faturará R$ 700 mil a mais por ano do Fundo de Participação dos Municípios, já que nossa população aumentou", diz o prefeito da cidade, Osvaldo José Benetti (PFL). (LAURA CAPRIGLIONE)


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