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JUVENTUDE ENCARCERADA
Moradores de bairro em ascensão torcem pela transformação de complexo em área de lazer
Propaganda de novo prédio omite Febem
DA REPORTAGEM LOCAL
O material promocional de um
megaempreendimento imobiliário no Tatuapé, com 28 torres de
apartamentos bem ao lado da Febem conflagrada por rebeliões,
vem com um mapa de localização. No lugar onde hoje estão internados 1.900 adolescentes com
suas histórias de fugas em massa,
pode-se ler sobre sugestivo fundo
verde: "Futura implantação do
parque do Belém". Nenhuma
menção aos jovens infratores.
Na sexta-feira passada, ao saber
que o governador Geraldo Alckmin (PSDB) ordenara o início da
remoção de 700 adolescentes internados da Febem do Tatuapé
para outras regiões do Estado, o
administrador de empresas Norberto Mensório, 53, presidente do
Conselho Comunitário de Segurança do 81º Distrito Policial do
Belém, já fazia planos: "A piscina
da Febem e as quadras esportivas,
depois que os internos saírem, serão reformadas e aumentarão as
alternativas de lazer do bairro."
O Tatuapé está de olho na área
de 292 mil m2, localizada entre as
ruas Ulisses Cruz e Nelson Cruz e
a marginal Tietê, ocupada pelos
prédios da fundação.
"É que a Febem já não combina
com o Tatuapé", diz a comerciante Ophélia Buittoni, de 63 anos,
referindo-se ao crescimento vertiginoso experimentado nos últimos tempos pelo bairro.
Desde o início dos anos 80, os cidadãos tatuapeenses têm assistido à transformação do bairro em
uma espécie de oásis na zona leste
da capital. De antiga região industrial, o Tatuapé converteu-se em
área nobre, vice-campeã de lançamentos imobiliários de São Paulo
(perde apenas para o Morumbi).
No pedaço mais luxuoso do
bairro, o Jardim Anália Franco,
apartamentos avaliados em R$ 4
milhões dividem espaço com lojas de grifes estreladas, como as
que se encontram nos shoppings
Iguatemi ou Higienópolis.
Uma das melhores escolas de
São Paulo, o colégio Agostiniano
Mendel, do Tatuapé, é responsável pela colocação de um número
crescente de alunos da zona leste
nas mais disputadas faculdades
da Universidade de São Paulo. É,
por isso, que o Mendel orgulhosamente atende pelo apelido de
"Bandeirantes da zona leste", alusão ao colégio da zona sul famoso
pelo alto nível acadêmico.
O prestígio que o Tatuapé conquistou é tamanho que ele empresta o nome a pedaços inteiros
de bairros do entorno, como
Mooca, Vila Carrão, Belém e Penha, nos folhetos promocionais
dos empreendimentos. Uma forma de valorizar a mercadoria, como acontece com o entorno do
Morumbi ou da Vila Olímpia.
Mas na semana passada a dona-de-casa Arlete Amaro previa a
desvalorização do bairro, resultado da freqüência com que vem
aparecendo no noticiário policial
por causa das rebeliões na Febem.
"Eu queria oferecer o meu apartamento para o governador Geraldo Alckmin vir passar uns tempos aqui, ver o que estamos sofrendo", desafiou Arlete.
"Eu dei uma entrevista à RedeTV! falando sobre o drama que
é conviver com essa violência.
Contei onde morava e levei uma
bronca do condomínio onde vivo,
que me acusou de desvalorizar o
prédio. Mas não sou eu quem está
desvalorizando nada. É a Febem",
afirmou Margareth Bueno, promoter, moradora a 200 metros da
Febem e que estava decidida a
mudar de bairro.
Ação e reação
Na terça passada, um grupo de
exaltados vizinhos reunidos para
discutir formas de pressionar o
governo a resolver o problema da
Febem calculava: os imóveis do
bairro perderam, desde o dia em
que se iniciou a atual crise da instituição, 40% do valor de revenda.
O início da remoção dos adolescentes, na sexta-feira, inverteu os
ânimos. "O Alckmin é mesmo um
estadista. Estou orgulhoso do governador", disse Mensório.
Enquanto o Tatuapé se reencontrava com sua vocação de meca da zona leste, a 663 km de São
Paulo a pequena cidade de Tupi
Paulista, com 13.480 habitantes,
preparava-se na sexta-feira para
receber os primeiros 100 de 700
jovens que serão transferidos da
Febem do Tatuapé.
Ex-cidade cafeeira, Tupi quebrou em meados dos anos 70,
quando uma geada destruiu a
produção. Tentou se recuperar
plantando uva de mesa, mas caiu
ainda mais. De 2ª melhor cidade
do Estado de São Paulo em 1996,
segundo o ranking do Índice de
Desenvolvimento Humano
(IDH), despencou (em apenas oito anos) para a 222ª posição.
"Perdemos qualidade de vida,
perdemos população, que migrou
[a cidade chegou a ter 30 mil almas nos anos 70]. Agora, ficamos
até alegres por receber os menores infratores. Por causa deles foram gerados 200 empregos e a cidade faturará R$ 700 mil a mais
por ano do Fundo de Participação
dos Municípios, já que nossa população aumentou", diz o prefeito
da cidade, Osvaldo José Benetti
(PFL).
(LAURA CAPRIGLIONE)
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