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São Paulo, domingo, 20 de abril de 2003

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DROGAS

Existe consenso de que não há no Brasil uma rede adequada de atendimento para usuários de álcool e substâncias ilícitas

País negligencia assistência a dependentes

FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Há um consenso que une o governo e os grupos "rivais" que lidam com dependência química no país: o Brasil ainda não tem uma rede ampla, estruturada e adequada de assistência médica para ajudar pessoas prejudicadas por álcool e substâncias ilícitas.
Uma tímida estrutura de 42 CAPs (Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas), organizada no ano passado pelo governo federal (não disponível em dez Estados), é a principal oferta da rede pública para os milhões de brasileiros dependentes de drogas, fora serviços isolados em hospitais universitários.
Segundo o primeiro levantamento domiciliar sobre drogas, divulgado no ano passado pela Senad (Secretaria Nacional Antidrogas), 11,2% da população brasileira é dependente do álcool, 9% de tabaco e 1% de maconha.
Desde o início do ano, setores de pesquisa e do governo travam uma batalha pública em torno da macropolítica de drogas.
"É uma lástima que se esteja perdendo muito tempo com uma discussão de caráter dogmático", afirma Giovanni Quaglia, representante no Brasil do escritório das Nações Unidas contra as Drogas e o Crime.
A Senad deve ficar com os militares ou na esfera dos Direitos Humanos, no Ministério da Justiça? O tratamento deve reduzir os danos da droga ou pregar a abstinência? O usuário encontrado com drogas deve ir para a cadeia? A Justiça deve direcionar o criminoso dependente para o tratamento? Questões como essas dominam o debate. Qualquer que seja o caminho escolhido, a ausência de um sistema de saúde preparado emperra a ação.
"Nem o Ministério da Saúde nem a Senad tomaram a linha de frente para fazer o tratamento", diz Ronaldo Laranjeira, presidente da Associação Brasileira de Estudos de Álcool e Drogas.

Tratamento e economia
Cada dólar investido em tratamento significa uma redução de US$ 4 a US$ 7 no custo da delinquência relacionada às drogas. Adicionada a economia para o setor de saúde, o total de recursos poupados pode superar os custos em uma proporção de 12 para 1.
É com um argumento pragmático, econômico, proveniente de estudo do governo norte-americano, que as Nações Unidas tentam convencer os países a investir em tratamento. O documento foi divulgado na semana passada, durante reunião da Comissão de Narcóticos, em Viena.
De acordo com dados do Ministério da Saúde, citados no documento, os custos da perda de produtividade e mortes prematuras relacionadas às drogas no país correspondem a 7,9% do Produto Nacional Bruto (valor monetário de todos os bens e serviços produzidos com recursos de um país, empregados dentro ou fora do território nacional), ou o equivalente a US$ 28 bilhões.
Segundo Giovanni Quaglia, as Nações Unidas estão dispostas a ajudar na expansão dos CAPs brasileiros. Falta, no entanto, o governo apresentar o projeto.

São Paulo
Organizados dentro da ótica de descentralização do SUS (Sistema Único de Saúde), a maioria dos oito CAPs da cidade de São Paulo mantidos pela prefeitura não estão na periferia, onde as dificuldade de tratamento são maiores. "Moro na periferia. Ali ninguém sabe desses centros. Fiquei sabendo no boca a boca", disse um dependente de álcool entrevistado no CAPs de Vila Mariana, bairro nobre da zona sul.
No Itaim Paulista, periferia da zona leste, falta o psiquiatra, e o centro, apesar de já constar da lista de CAPs do Ministério da Saúde, ainda não recebe como tal.
Para ter acesso aos remédios, os pacientes têm de ir ao hospital Santa Marcelina, unidade de referência da região, para pegar uma receita com o especialista.
O programa de álcool e drogas Cabeça Feita, da prefeitura, recebeu o conceito ruim em avaliação da própria Secretaria Municipal da Saúde. Das nove metas, nenhuma foi cumprida -entre elas, a capacitação de 600 profissionais de serviços de emergência para o atendimento de overdoses e intoxicações alcoólicas.
"Embora considere o esforço para a implantação dos CAPs, a dependência é um dos danos", diz Fábio Mesquita, membro da Associação Internacional de Redução de Danos. "As overdoses ainda são subestimadas, e os hospitais não sabem tratá-las."

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