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São Paulo, domingo, 20 de abril de 2003

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Menina tinha medo de engordar quando engolia a própria saliva

DA REPORTAGEM LOCAL

Saliva engorda. A idéia absurda atormentava Débora (nome fictício) o tempo inteiro. Como sonhava em ter o corpo da modelo Gisele Bündchen, a menina -hoje com dez anos- não parava de cuspir. Pensava: "Se engolir a saliva, vou estourar de gorda".
Quando o estranho comportamento surgiu, há uns 15 meses, Débora exibia as medidas modestas de sempre: 36 kg, distribuídos por 1,50m de altura. Era magra, mas se considerava longe do ideal que concebera para si. Estava sofrendo de anorexia nervosa.
A doença se caracteriza justamente pelo medo de ganhar peso. Um temor intenso, que conduz à distorção da imagem corporal. Enxergando-se gordo, o paciente deixa de comer.
A literatura especializada informa que a anorexia atinge sobretudo garotas de 13 e 14 anos. O distúrbio, entretanto, vem se antecipando. "Já o diagnostiquei em crianças de nove e dez anos, algo que dificilmente ocorria no início da década de 90. É um fenômeno ainda minoritário, só que, agora, bem menos incomum", atesta Maurício de Souza Lima, médico do Hospital das Clínicas (HC), em São Paulo, que trabalha na Unidade de Adolescentes.
A psiquiatra Bacy Fleitlich Bilyk concorda. "Há, sim, dentro e fora do Brasil, uma tendência de o problema despontar mais precocemente." Desde 2001, ela coordena o Protad-Ambulim -Projeto de Atendimento, Ensino e Pesquisa em Transtornos Alimentares na Infância e Adolescência.
Trata-se de um ambulatório, ligado ao Instituto de Psiquiatria do HC, que funciona gratuitamente às quartas-feiras. Ali, não raro, aparecem meninas muito novas e anoréxicas.
O psicanalista e também psiquiatra Domingos Paulo Infante -que participa, no Ministério da Saúde, de um estudo sobre o desenvolvimento infantil- reitera o testemunho dos colegas e arrisca uma explicação.
"As crianças estão amadurecendo mais cedo, seja por motivos culturais, seja pelo avanço da medicina, que lhes apressa o crescimento. Em consequência, questões típicas da puberdade, como o desejo de se manter magro, desabrocham antes."
O caso de Débora ilustra perfeitamente a tese. A garota -de classe média e moradora da Grande São Paulo- conversou com a Folha no Protad-Ambulim, que frequenta há sete meses. A mãe descobriu o serviço depois de peregrinar, sem sucesso, por pediatras e psicólogos.
A menina pesava 26 kg quando bateu no ambulatório. De tão miúda, caminhava muito devagar e tremia de frio. Sessões de psicoterapia, aliadas à orientação de uma nutricionista, a curaram. Com atuais 39 kg e 1,55 m, Débora abandonou o horror -e a culpa- de se alimentar. (AA)

Folha - Por que você decidiu parar de comer?
Débora -
Porque umas chatas lá da escola me chamavam de baleia assassina. Eram garotas bobas, que me odiavam e riam de minha barriguinha. Eu continuava magra como sempre, mas meu estômago andava um pouco redondo. Meio inchado, entende? No começo, não liguei para as provocações. Só que, com o tempo, veio a cisma. Queria me tornar modelo. Adorava a Gisele Bündchen -o jeito dela, os olhos, os cabelos... Se eu engordasse, babau, adeus, sonho de passarela. Resolvi, então, diminuir a comida.

Folha - De que modo?
Débora -
Cortei, primeiro, o pão. As revistas de boa forma costumam avisar que pão é um perigo. Depois, tirei doces, açúcar e sal.

Folha - O sal?
Débora -
Sim, porque se parece com o açúcar. Raciocinei: deve causar o mesmo estrago. Fui cortando tudo. Quando vi, comia apenas um hambúrguer assado no almoço e outro no jantar. Hambúrguer sem pão, né? De manhã, tomava leite e mais nada.

Folha - Não tinha fome?
Débora -
Tinha, bastante. E saudade também -de pizza, de chocolate, de batata frita. Mas, se comesse, imaginava que iria engordar na hora. Tipo assim: comi e, bum!, explodi. Até a saliva me incomodava. Minha mãe me dava bronca, implorava: "Come, come!". Acontece que, magrinha, me sentia lindona. Brincava de desfilar no shopping.

Folha - E hoje?
Débora -
Desisti da carreira de modelo. Gisele Bündchen é a maior feia! Desejo, agora, virar a Avril Lavigne [cantora pop". Soube que aquela ali come à beça.

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