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Bebê não foi vítima de ritual, crê antropólogo
Segundo Cláudio Pereira, da UFBA, menino que teve agulhas introduzidas no corpo possivelmente foi alvo de crime passional
"Parece que a crueldade foi motivada pela honra, como consequência de dor de amor", diz; padrasto sustentou versão de ritual de magia à polícia
MATHEUS PICHONELLI
RENATA BAPTISTA
DA AGÊNCIA FOLHA
O menino de dois anos que
teve cerca de 30 agulhas introduzidas no corpo não foi vítima
de um rito religioso, mas possivelmente de um crime passional, disse o antropólogo Cláudio Luiz Pereira, da Universidade Federal da Bahia, que estuda casos de sacrifícios envolvendo crianças em rituais.
Segundo a Polícia Civil de
Ibotirama (643 km de Salvador), Roberto Carlos Magalhães Lopes, que vivia com a
mãe do garoto havia um ano e
meio, disse em depoimento que
o crime ocorreu em rituais de
magia negra com a ajuda da
amante e uma mãe-de-santo.
As sessões, diz a polícia, eram
uma forma encontrada pelo
suspeito para se vingar da mãe
que, segundo a versão, não o
deixava viver com a amante.
Cuidado
Para o antropólogo, é preciso
cuidado ao relacionar o crime a
rituais, já que estes envolvem
técnicas e meios para se obter
um fim e contam sempre com
um sacrificante (filhos dados
como oferenda, por exemplo) e
os sacrificadores (executores).
"Neste caso, não estão claras
essas peças. O que parece é que
a crueldade foi motivada pela
honra, como consequência de
dor de amor de alguém que passava por sofrimento psíquico."
Para Pereira, houve um esforço dos suspeitos para caracterizar a ação como um ritual.
No entanto, os elementos usados parecem "aleatórios", segundo ele, já que misturavam
agulhas -"ferramenta" do vodu, usada para espetar bonecos
similares à "vítima"- com balas (para atrair a criança) e água
benta, elemento do catolicismo. O pesquisador afirma não
haver sentido punir a criança
como se ela correspondesse à
mãe.
Outros casos
Pereira é autor de uma tese
de doutorado feita a partir de
um caso, ocorrido em Salvador,
em abril de 1977, que resultou
na morte de oito crianças -lançadas ao mar para os tubarões
como sacrifício. Os algozes
eram líderes de uma comunidade messiânica composta por
32 pessoas que acreditavam
que a morte das crianças era
uma exigência de Deus.
Após julgamento, relembra o
autor, os mentores foram internados em manicômios e depois
soltos. A condenação na Justiça
não ocorre porque, nesses casos, os autores são considerados doentes mentais -e, portanto, inimputáveis.
"Eram pessoas muito simples que entraram numa loucura coletiva. Não são criminosos
comuns", diz o especialista.
Em seu estudo, ele se deparou com outro caso de sacrifício, também ocorrido em Salvador, nos anos 90, em que
duas crianças foram mortas estranguladas e com sete golpes
de faca na vagina. Com elas havia bilhetes com as palavras:
"homem, trabalho e dinheiro".
O suspeito foi um "sacrificador" contratado por uma parente de uma das vítimas.
Segundo o especialista, esses
tipos de rituais com sacrifícios
religiosos ocorrem apenas
quando as lideranças "perdem
o controle" em razão de doenças mentais desenvolvidas durante o envolvimento com determinada crença. É passível de
ocorrer em qualquer religião,
defende ele.
Marcelino Gomes de Jesus,
religioso de um terreiro de candomblé em Cachoeira (BA), diz
haver "preconceito e desinformação" sobre religiões afro no
país, que trabalham em rituais
com folhas, água e comida, sem
machucar ninguém.
Colaborou a Agência Folha, em Salvador
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