São Paulo, domingo, 20 de dezembro de 2009

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Bebê não foi vítima de ritual, crê antropólogo

Segundo Cláudio Pereira, da UFBA, menino que teve agulhas introduzidas no corpo possivelmente foi alvo de crime passional

"Parece que a crueldade foi motivada pela honra, como consequência de dor de amor", diz; padrasto sustentou versão de ritual de magia à polícia

MATHEUS PICHONELLI
RENATA BAPTISTA
DA AGÊNCIA FOLHA

O menino de dois anos que teve cerca de 30 agulhas introduzidas no corpo não foi vítima de um rito religioso, mas possivelmente de um crime passional, disse o antropólogo Cláudio Luiz Pereira, da Universidade Federal da Bahia, que estuda casos de sacrifícios envolvendo crianças em rituais.
Segundo a Polícia Civil de Ibotirama (643 km de Salvador), Roberto Carlos Magalhães Lopes, que vivia com a mãe do garoto havia um ano e meio, disse em depoimento que o crime ocorreu em rituais de magia negra com a ajuda da amante e uma mãe-de-santo.
As sessões, diz a polícia, eram uma forma encontrada pelo suspeito para se vingar da mãe que, segundo a versão, não o deixava viver com a amante.

Cuidado
Para o antropólogo, é preciso cuidado ao relacionar o crime a rituais, já que estes envolvem técnicas e meios para se obter um fim e contam sempre com um sacrificante (filhos dados como oferenda, por exemplo) e os sacrificadores (executores).
"Neste caso, não estão claras essas peças. O que parece é que a crueldade foi motivada pela honra, como consequência de dor de amor de alguém que passava por sofrimento psíquico."
Para Pereira, houve um esforço dos suspeitos para caracterizar a ação como um ritual. No entanto, os elementos usados parecem "aleatórios", segundo ele, já que misturavam agulhas -"ferramenta" do vodu, usada para espetar bonecos similares à "vítima"- com balas (para atrair a criança) e água benta, elemento do catolicismo. O pesquisador afirma não haver sentido punir a criança como se ela correspondesse à mãe.

Outros casos
Pereira é autor de uma tese de doutorado feita a partir de um caso, ocorrido em Salvador, em abril de 1977, que resultou na morte de oito crianças -lançadas ao mar para os tubarões como sacrifício. Os algozes eram líderes de uma comunidade messiânica composta por 32 pessoas que acreditavam que a morte das crianças era uma exigência de Deus.
Após julgamento, relembra o autor, os mentores foram internados em manicômios e depois soltos. A condenação na Justiça não ocorre porque, nesses casos, os autores são considerados doentes mentais -e, portanto, inimputáveis.
"Eram pessoas muito simples que entraram numa loucura coletiva. Não são criminosos comuns", diz o especialista.
Em seu estudo, ele se deparou com outro caso de sacrifício, também ocorrido em Salvador, nos anos 90, em que duas crianças foram mortas estranguladas e com sete golpes de faca na vagina. Com elas havia bilhetes com as palavras: "homem, trabalho e dinheiro".
O suspeito foi um "sacrificador" contratado por uma parente de uma das vítimas.
Segundo o especialista, esses tipos de rituais com sacrifícios religiosos ocorrem apenas quando as lideranças "perdem o controle" em razão de doenças mentais desenvolvidas durante o envolvimento com determinada crença. É passível de ocorrer em qualquer religião, defende ele.
Marcelino Gomes de Jesus, religioso de um terreiro de candomblé em Cachoeira (BA), diz haver "preconceito e desinformação" sobre religiões afro no país, que trabalham em rituais com folhas, água e comida, sem machucar ninguém.


Colaborou a Agência Folha, em Salvador


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