São Paulo, domingo, 20 de dezembro de 2009

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GILBERTO DIMENSTEIN

A inteligência no lixo


Com o crescimento econômico, não vamos parar de discutir sobre a falta de mão de obra especializada

UM EX-ESTUDANTE da Poli (Escola Politécnica) da USP está inovando a forma como 2.000 famílias fazem compras em Nova York. É um lixo inteligente: a máquina lê o código de barras dos produtos que são jogados fora e, automaticamente, manda uma mensagem ao supermercado, autorizando-o a repor a mercadoria. Dependendo do gosto do consumidor, um visor alerta que aquele produto é, por exemplo, transgênico, oferecendo sugestões. O programa avisa se a embalagem é reciclável, ajudando o usuário a organizar a coleta seletiva.
Neto de imigrantes japoneses, Geraldo Yoshizawa, um dos responsáveis pelo desenvolvimento do lixo inteligente, batizado de Ikan, mora em São Paulo. Mas a inovação só consegue, por enquanto, ser usada nos Estados Unidos. Aprendeu informática por acaso. Queria ser engenheiro civil para desenvolver modelos de casas populares, mas, na Poli, acabou seduzido por microcomputadores, que, naquela época, eram uma raridade no Brasil.
Prepare-se: no próximo ano, o debate em torno do valor da ciência e da tecnologia estará no topo da agenda nacional e vai entrar na plataforma dos candidatos a presidente e governador -e vamos nos deparar com um dos nossos maiores lixos.

 


O lixo inteligente desenvolvido por Yoshizawa provoca o debate sobre como jogamos inteligência no lixo por não estimularmos o interesse dos jovens pelo prazer a ciência. Isso ajuda explicar, pelo menos em parte, como tantos alunos (61%) do último ano das faculdades de medicina não sabem o que é gripe suína, segundo resultados das provas divulgados na semana passada.
Com a volta do crescimento econômico mais acelerado, não vamos parar de discutir sobre a falta de engenheiros e de mão de obra especializada com formação técnica. Apenas 10% dos formandos são engenheiros. Compare com China (38%), Coreia (30%) e Índia (22%).

 

Um texto preparado para a Fundação Lemann por uma pesquisadora de Harvard (Danyela Moron) faz um retrato de nossa difícil relação com o ensino de ciências. Alguns dados: 1) 7 em cada 10 professores de física nunca estudaram física na faculdade; 2) dos 15 cursos menos competitivos da USP, 9 são na área de ciências; 3) apenas 49% dos estudantes de ciências se formam ao final de quatro anos.
 


Isso significa, entre outras coisas, que, segundo aquele estudo, 20% dos novos empregos gerados pela Vale terão de ser ocupados por estrangeiros. Ou que toda essa conversa sobre o pré-sal está tanto na riqueza debaixo do solo quanto no cérebro dos estudantes em terra.
 


Se as crianças não aprendem a ter prazer com as descobertas, por que iriam se seduzir por carreiras científicas? O massacre já começa com a tragédia da matemática em geral, especialmente nas escolas públicas -o desempenho é bem pior do que nos indicadores de português, que, como sabemos, já são péssimos.
O desafio é colocar, em sala de aula, professores capazes e encantados com a experimentação.
 


Dando cara para essa estatística, podemos estimar quantos "Geraldos Yoshizawas" deixamos de produzir todos os anos; ou por que invenções como a do lixo inteligente, criadas no Brasil, só conseguem ser aplicadas fora daqui. Ou por que tantos alunos que estão prestes a se formarem médicos não sabem o que é uma gripe suína.
Mede-se a riqueza de uma nação pelo seu número de inovadores.
 


PS - Outro bom exemplo de inovação brasileira, em fase de teste, permite fazer ligações do celular sem gastar nada. Basta se dispor a ouvir uma publicidade, programada para o celular. Coloquei em meu site (www.dimenstein.com.br) mais informações sobre o estudo da pesquisadora de Harvard entregue para a Fundação Lemann.

gdimen@uol.com.br


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