São Paulo, sábado, 21 de agosto de 2004

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Com medo, mas sem opção, pessoas seguem dormindo na rua

MARIANA VIVEIROS
DA REPORTAGEM LOCAL

Na madrugada de ontem, a primeira depois do ataque aos moradores de rua, o centro de São Paulo passou uma noite aparentemente normal. Sem ter para onde ir, a população que vive no local, no entanto, dizia sentir medo.
Na praça da Sé, a catadora de papel Leni Alves de Souza, 51, falava sozinha: "Está movimentado hoje aqui, mas eu não vi nada. Nem adianta me perguntar, que eu não vi nada". Três carros da Polícia Militar tinham acabado de passar, e Leni se preparava para dormir perto do carrinho. Ao lado dela, outro catador resmungava e, mais adiante, uma mulher e dois jovens compravam as últimas doses da noite.
"Eu estou com medo, claro, mas o que é que eu vou fazer? Não tenho alternativa. Vou dormir aqui mesmo", diz Leni, que há seis meses dorme na Sé de segunda a sábado para garantir a venda do material reciclável que recolhe. Ao ser questionada se já foi ameaçada por alguém, ela responde "nunca" e corta a conversa.
Ao lado da Sé, na praça Clóvis, dois canteiros são moradias improvisadas. Uma corda presa entre duas árvores e uma lona pendurada ao meio fazem as vezes de casa para a família de Sônia da Silva Castro. Com ela, a conversa é a mesma. Estão todos assustados, mas não têm para onde ir.
Um albergue não seria uma opção? "Nem pensar. Já vieram me chamar, e eu não vou. Lá só tem bêbado, não é nada seguro", responde Sônia. "Amigas minhas já foram e me contaram."
Os plantonistas da base comunitária da Guarda Civil Metropolitana na praça da Sé afirmaram que não havia nada de anormal. Segundo eles, nunca dormem muitas pessoas na rua e a PM faz rondas freqüentes.
Ao longo da rota das agressões no centro, percebem-se nas calçadas pessoas enroladas em cobertores ou sacos. Na região das ruas Boa Vista e 15 de Novembro, são pelo menos 19. Um grupo recebe comida de um serviço social.
Assim como a família de Sônia, nenhum dos nove moradores que recebem o jantar quer tirar fotos. "Eles não costumam resistir tanto, mas estão todos assustados", diz Luiz Ricardo Acunzo, 38, um dos que levam a comida.
Acunzo diz que muitos dos que ficavam na Boa Vista foram dormir juntos no largo São Francisco, para tentar se proteger de eventuais ataques. De fato, sob a marquise do McDonald's, havia pelo menos 12 pessoas. Um PM fazia ronda a pé. No largo, mais sete pessoas falavam. Enquanto isso, nas ruas Tabatingüera e da Glória, as calçadas estavam vazias.


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