São Paulo, segunda-feira, 21 de novembro de 2005

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COMENTÁRIO

Centro da cidade resiste a início da maratona

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

O centro de São Paulo demorou para perceber, na tarde de sábado, que estavam começando as atividades da Virada Cultural. No fundo da rua General Osório, por volta das 15h30, o grupo Nosso Choro reunia dezenas de pessoas para ouvir um eclético pot-pourri de canções (Scott Joplin, um tango, o jingle do Café Seleto) executado com cavaquinho, clarineta e violão.
Mas não era nada que se destacasse muito do ambiente sonoro habitual de um sábado paulistano. A dois quarteirões dali, o bar J. Guerra reunia muitos adeptos do pagode ao vivo e, pouco mais adiante, no restaurante self-service Nova General, o brega dava o seu recado com veemência.
Na rua Marconi, perto do local previsto para a performance de dança da Companhia Corpos Nômades, o boteco Estrela da Marconi apresentava, com sistema de som potente, sua programação de samba ao vivo.
A cidade parecia resistir à Virada Cultural. Na praça da Sé, onde um palco abrigava bandas iniciantes de rock, bastava se afastar um pouco do marco zero para que o som dos pregadores evangélicos cruzasse o nosso caminho; sem falar na seleção de clássicos do forró que emanava da Campelo Discos.
A mistura de sons também se refletia na mistura de tipos, de tribos, que começavam a se aglomerar e a se reconhecer. Aos 50 adolescentes de cabelo roxo, azul e laranja que vibravam com a banda Granada, às 16h, somava-se um público de aposentados, catadores de latas, moradores de rua, Macabéias endomingadas e sósias de Hugo Chávez. Um bêbado acompanhava a banda numa guitarra imaginária.
No calçadão da avenida São João, o show de Paulo Vanzolini reunia um público maior e não tão heterogêneo: pessoas com visual "normal", de quem está numa fila de banco ou de ônibus, iam se impregnando dos sambas do velho mestre. Mas o que faziam tantos rapazes de sobretudo negro e meninas de coturno naquele calor? Havia um palco reservado para os góticos e darks a menos de dois quarteirões dali. Alguns deles se interessaram por Vanzolini.
Nas escadarias do Teatro Municipal, as esculturazinhas de gelo de Néle Azevedo iam derretendo aos poucos, em silêncio, para encanto de uma pequena multidão. Os dançarinos da Cia. Corpos Nômades conseguiam, com alguma insistência, atrair curiosos para o interior de suas "Barracas Performáticas".
No fim da tarde, já não era mais Vanzolini, era Tom Zé quem juntava muitas tribos no Anhangabaú: góticos, mendigos, turistas, pagodeiros, cidadãos. Todos se espremiam para vê-lo. Esquálido, febril, metido num sobretudo cinza com penduricalhos de plástico, tinha um pouco de mendigo, roqueiro, visionário, pregador.
Síntese de tudo o que houvesse de inusitado ali, foi com uma palavra de ordem política ("acho que Brasília vai mandar fechar São Paulo/ porque esta Virada Cultural tá um regalo") que Tom Zé deu início real à maratona. A noite começava; a cidade se percebia diferente; o gelo tinha derretido; e José Serra já contabilizava seus primeiros ganhos eleitorais.


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