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COMENTÁRIO
Centro da cidade resiste a início da maratona
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
O centro de São Paulo
demorou para perceber, na tarde de sábado, que
estavam começando as atividades da Virada Cultural.
No fundo da rua General
Osório, por volta das 15h30,
o grupo Nosso Choro reunia
dezenas de pessoas para ouvir um eclético pot-pourri de
canções (Scott Joplin, um
tango, o jingle do Café Seleto) executado com cavaquinho, clarineta e violão.
Mas não era nada que se
destacasse muito do ambiente sonoro habitual de
um sábado paulistano. A
dois quarteirões dali, o bar J.
Guerra reunia muitos adeptos do pagode ao vivo e, pouco mais adiante, no restaurante self-service Nova General, o brega dava o seu recado com veemência.
Na rua Marconi, perto do
local previsto para a performance de dança da Companhia Corpos Nômades, o boteco Estrela da Marconi
apresentava, com sistema de
som potente, sua programação de samba ao vivo.
A cidade parecia resistir à
Virada Cultural. Na praça da
Sé, onde um palco abrigava
bandas iniciantes de rock,
bastava se afastar um pouco
do marco zero para que o
som dos pregadores evangélicos cruzasse o nosso caminho; sem falar na seleção de
clássicos do forró que emanava da Campelo Discos.
A mistura de sons também
se refletia na mistura de tipos, de tribos, que começavam a se aglomerar e a se reconhecer. Aos 50 adolescentes de cabelo roxo, azul e laranja que vibravam com a
banda Granada, às 16h, somava-se um público de aposentados, catadores de latas,
moradores de rua, Macabéias endomingadas e sósias
de Hugo Chávez. Um bêbado acompanhava a banda
numa guitarra imaginária.
No calçadão da avenida
São João, o show de Paulo
Vanzolini reunia um público maior e não tão heterogêneo: pessoas com visual
"normal", de quem está numa fila de banco ou de ônibus, iam se impregnando
dos sambas do velho mestre.
Mas o que faziam tantos rapazes de sobretudo negro e
meninas de coturno naquele
calor? Havia um palco reservado para os góticos e darks
a menos de dois quarteirões
dali. Alguns deles se interessaram por Vanzolini.
Nas escadarias do Teatro
Municipal, as esculturazinhas de gelo de Néle Azevedo iam derretendo aos poucos, em silêncio, para encanto de uma pequena multidão. Os dançarinos da Cia.
Corpos Nômades conseguiam, com alguma insistência, atrair curiosos para o
interior de suas "Barracas
Performáticas".
No fim da tarde, já não era
mais Vanzolini, era Tom Zé
quem juntava muitas tribos
no Anhangabaú: góticos,
mendigos, turistas, pagodeiros, cidadãos. Todos se espremiam para vê-lo. Esquálido, febril, metido num sobretudo cinza com penduricalhos de plástico, tinha um
pouco de mendigo, roqueiro, visionário, pregador.
Síntese de tudo o que houvesse de inusitado ali, foi
com uma palavra de ordem
política ("acho que Brasília
vai mandar fechar São Paulo/ porque esta Virada Cultural tá um regalo") que
Tom Zé deu início real à maratona. A noite começava; a
cidade se percebia diferente;
o gelo tinha derretido; e José
Serra já contabilizava seus
primeiros ganhos eleitorais.
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