São Paulo, quinta-feira, 22 de março de 2001

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TERAPIA MUNICIPAL

Megapsicodrama promovido pela prefeitura para discutir a questão da ética reuniu 700 profissionais em 160 locais

Divã de Marta vira balcão de reclamações

DA REPORTAGEM LOCAL

O megapsicodrama promovido pela administração petista em São Paulo transformou-se numa multiplicidade de palanques de queixas sobre a cidade e as condições de vida. Pode entrar para o "livro dos recordes" como a maior lamentação coletiva: em pelo menos 160 pontos da cidade, animados por cerca de 700 psicodramatistas, as pessoas se juntaram para falar de sua relação com a cidade.
Na maioria dos locais, fizeram mais queixas do que falaram de seus sentimentos, como se espera num psicodrama. Mesmo sem números oficiais, a coordenação do Projeto Ética e Cidadania estima que mais de 8.000 pessoas estiveram em algum momento participando das sessões.
Ontem à tarde, a equipe de psicodramatistas que encabeçou a idéia "comemorava a vitória".
"O próximo vai tratar da violência contra a mulher", disse a prefeita Marta Suplicy, autora da idéia. "A lei proíbe que se bata nas mulheres, mas elas continuam apanhando. Vamos entender porque isso acontece."
Em muitos locais, as pessoas foram pegas de surpresa pela presença dos psicodramatistas.
Na praça da República (centro), os técnicos, liderados pelo psiquiatra Aníbal Mezher, tentavam convencer as pessoas a participar, dando sua opinião sobre a cidade.
Quando ficaram mais à vontade com a situação, algumas das cerca de 60 participantes começaram a formar fila para falar ao microfone. Problemas como sujeira da cidade, ausência de um projeto educativo na Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) e desemprego foram os principais alvos das reclamações.
Segundo Mezher, a atividade foi o maior evento na história do psicodrama. "Estamos tendo uma experiência educativa, tentando mostrar ao cidadão que ética não é bobagem", afirmou.
Na praça da Sé (centro), que reuniu o maior número de participantes, cerca de 120 pessoas se aglomeravam em volta do palco improvisado animado pelo psicodramatista Ronaldo Pamplona.
Problemas como desemprego, falta de moradia, alimentação e dificuldades em receber a aposentadoria foram os temas mais abordados pela população.
Alguns grupos de jovens acabaram entrando em discussão com evangélicos e moradores de rua.
Na praça Floriano Peixoto, em Santo Amaro (zona sul), as queixas se concentraram no emprego, transporte, violência, educação e limpeza urbana. Durante as representações, poucos transeuntes pararam para assistir. A platéia contava com 30 espectadores.
Cerca de 20 pessoas participaram das encenações, a maioria simpatizantes do PT e alunos de uma escola municipal.
Na representação a respeito de transporte, a crítica foi contra as lotações. No fim, os convidados sugeriam soluções para o problema encenado. "Vamos imitar o Japão, andando de bicicleta. Vamos comprar um jegue, fazer alguma coisa", disse a dona-de-casa Eva Cabral da Silva, 42.
"É uma tribuna do povo, não é?", questionou a agente escolar desempregada Maria Helena Paula, 49. Maria participou da encenação sobre desemprego e sugeriu o cooperativismo como solução. "Gente, a Páscoa está aí, vamos fazer ovos e dividir os lucros", afirmou.
A dramatização sobre educação fez críticas ao programa do governo do Estado de progressão continuada. No fim da sessão, os psicodramatistas distribuíram a letra da música "O que É? O que É?", de Gonzaguinha, para que todos cantassem enquanto acenavam com bexigas coloridas, também cedidas pela equipe municipal.
Na Sociedade Assistencial do Capão Redondo (zona sul), os psicodramatistas não aparecem e deixaram cerca de cem pessoas esperando. O presidente da entidade, José Grigório de Jesus,, disse que a revolta foi geral. "Arrumamos mesa, microfone, deixamos tudo arrumadinho, e nada. Todo mundo aqui do Capão já se sente abandonado, aí vem uma dessas." (MELISSA DINIZ, SÉRGIO DURAN E AURELIANO BIANCARELLI)

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