São Paulo, quinta-feira, 22 de março de 2001

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TERAPIA MUNICIPAL

Em representação com alunos de curso da Guarda Civil, Marta faz papel de "cidadã furiosa" assaltada em parque

Prefeita vira "perua" em psicodrama

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O desavisado que entrasse ontem numa das salas do Centro Cultural Vergueiro, em São Paulo, não acreditaria no que estava ocorrendo. A prefeita Marta Suplicy (PT), dedo em riste, gritava com dois "guardas municipais" indagando o que eles, "incompetentes, estavam fazendo ali", já que não prendiam os rapazes que tinham acabado de assaltá-la.
A discussão, em tom elevado, prosseguiu com os guardas chamando a prefeita de "perua pentelha e mal-educada". Terminou com os aplausos de 450 jovens que assistiam à cena.
Marta, na verdade, representava uma "cidadã furiosa" assaltada quando passeava pelo Ibirapuera. Os guardas eram alunos do curso de preparação para a Guarda Civil. E a cena no Centro Vergueiro fazia parte das cerca de 160 sessões de psicodrama realizadas ontem na capital paulista.
"Vocês estão fazendo o que, que não prendem esses rapazes? Foram eles que me roubaram", dizia a "prefeita", aos gritos. Os "guardas" seguram dois voluntários e os revistam. "Não encontramos nada com os elementos. Estão até com carteira profissional."
"E daí?", insiste a cidadã furiosa. "Foram eles, sim..."
"A senhora então nos acompanhe ao Distrito Policial..."
"Não vou, não vou, não me meto com polícia."
Os "guardas-atores" já não sabem o que fazer e são ajudados pelos diretores do psicodrama. "Falem o que estão pensando, falem", sugeriu o diretor e psiquiatra Antonio Carlos Cesarino.
"Essa perua chata, pentelha e mal-educada", deixou escapar um dos "guardas".
O lado "psi" da prefeita também contribuiu, e ela passou a dizer em voz alta o que estava sentindo. "E agora, olha a confusão que arrumei, entrei numa gelada, todo mundo me olhando, vou acabar numa delegacia, perder meu horário de trabalho."
Autora da idéia do megapsicodrama, a prefeita tentou evitar entrar em cena, mas não resistiu aos pedidos em coro. "Todo cidadão tem que fazer escolhas", ela disse no final. "Vocês que estarão numa posição de autoridade, muitas vezes serão tentados a fazer o que não acham ético", disse, comentando uma cena onde um guarda municipal aceitava propina de um traficante.
Diferentemente da grande maioria dos locais onde houve psicodrama, com participantes de perfis e procedências variadas, o evento do Centro Cultural Vergueiro reuniu só futuros guardas municipais. As cenas criadas simulavam situações de socorro, violência, brigas com filhos, corrupção e baixos salários.
Num dos momentos mais tensos, o aluno Péricles do Nascimento Ornelas representou um guarda que aceitou propina. "Aceitei porque minha família está passando necessidade. Com um salário digno, não faria isso."
Recebeu uma enxurrada de críticas dos colegas, que passaram a confundir representação com realidade. Ornelas, 28, está desempregado há três anos. Como alunos, eles recebem uma ajuda de custo de R$ 291,16 por mês.
O curso começou no dia 12 de fevereiro e o primeiro pagamento sairá em 4 de abril. Sem dinheiro para o ônibus, muitos andam de 4 a 5 quilômetros para ir ao curso.
Além da direção de Antonio Carlos Cesarino, um dos introdutores do psicodrama no país, a sessão do centro cultural foi conduzida pelos psicanalistas Haroldo Pedreira e Antonio Lancetti. Além de 14 psicodramistas que agiam como "egos auxiliares", incentivando as dramatizações.



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