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TERAPIA MUNICIPAL
Em representação com alunos de curso da Guarda Civil, Marta faz papel de "cidadã furiosa" assaltada em parque
Prefeita vira "perua" em psicodrama
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
O desavisado que entrasse ontem numa das salas do Centro
Cultural Vergueiro, em São Paulo,
não acreditaria no que estava
ocorrendo. A prefeita Marta Suplicy (PT), dedo em riste, gritava
com dois "guardas municipais"
indagando o que eles, "incompetentes, estavam fazendo ali", já
que não prendiam os rapazes que
tinham acabado de assaltá-la.
A discussão, em tom elevado,
prosseguiu com os guardas chamando a prefeita de "perua pentelha e mal-educada". Terminou
com os aplausos de 450 jovens
que assistiam à cena.
Marta, na verdade, representava
uma "cidadã furiosa" assaltada
quando passeava pelo Ibirapuera.
Os guardas eram alunos do curso
de preparação para a Guarda Civil. E a cena no Centro Vergueiro
fazia parte das cerca de 160 sessões de psicodrama realizadas ontem na capital paulista.
"Vocês estão fazendo o que, que
não prendem esses rapazes? Foram eles que me roubaram", dizia
a "prefeita", aos gritos. Os "guardas" seguram dois voluntários e
os revistam. "Não encontramos
nada com os elementos. Estão até
com carteira profissional."
"E daí?", insiste a cidadã furiosa.
"Foram eles, sim..."
"A senhora então nos acompanhe ao Distrito Policial..."
"Não vou, não vou, não me meto com polícia."
Os "guardas-atores" já não sabem o que fazer e são ajudados
pelos diretores do psicodrama.
"Falem o que estão pensando, falem", sugeriu o diretor e psiquiatra Antonio Carlos Cesarino.
"Essa perua chata, pentelha e
mal-educada", deixou escapar
um dos "guardas".
O lado "psi" da prefeita também
contribuiu, e ela passou a dizer
em voz alta o que estava sentindo.
"E agora, olha a confusão que arrumei, entrei numa gelada, todo
mundo me olhando, vou acabar
numa delegacia, perder meu horário de trabalho."
Autora da idéia do megapsicodrama, a prefeita tentou evitar entrar em cena, mas não resistiu aos
pedidos em coro. "Todo cidadão
tem que fazer escolhas", ela disse
no final. "Vocês que estarão numa posição de autoridade, muitas
vezes serão tentados a fazer o que
não acham ético", disse, comentando uma cena onde um guarda
municipal aceitava propina de
um traficante.
Diferentemente da grande
maioria dos locais onde houve
psicodrama, com participantes de
perfis e procedências variadas, o
evento do Centro Cultural Vergueiro reuniu só futuros guardas
municipais. As cenas criadas simulavam situações de socorro,
violência, brigas com filhos, corrupção e baixos salários.
Num dos momentos mais tensos, o aluno Péricles do Nascimento Ornelas representou um
guarda que aceitou propina.
"Aceitei porque minha família está passando necessidade. Com
um salário digno, não faria isso."
Recebeu uma enxurrada de críticas dos colegas, que passaram a
confundir representação com
realidade. Ornelas, 28, está desempregado há três anos. Como
alunos, eles recebem uma ajuda
de custo de R$ 291,16 por mês.
O curso começou no dia 12 de
fevereiro e o primeiro pagamento
sairá em 4 de abril. Sem dinheiro
para o ônibus, muitos andam de 4
a 5 quilômetros para ir ao curso.
Além da direção de Antonio
Carlos Cesarino, um dos introdutores do psicodrama no país, a
sessão do centro cultural foi conduzida pelos psicanalistas Haroldo Pedreira e Antonio Lancetti.
Além de 14 psicodramistas que
agiam como "egos auxiliares", incentivando as dramatizações.
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