São Paulo, domingo, 22 de março de 1998

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PARAÍSO PERDIDO 3
Fenômeno, pelo qual o Brasil já passou, será mundial na virada do século; zonas rurais se urbanizam
Cidade terá mais gente que campo em 2000

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
enviado especial ao Paraná

Os limites entre os meios rural e urbano estão cada vez mais difusos. Por causa disso, os programas de desenvolvimento e combate à pobreza devem ter uma visão espacial, para que a solução de um problema na cidade não cause outro no campo.
Essa foi uma das conclusões do seminário internacional "Elos de vida campo-rural", promovido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) em Curitiba, de 10 a 13 de março.
Na virada do século, pela primeira vez na história, haverá mais pessoas vivendo nas cidades do que nas zonas rurais.
O panorama que serviu de ponto de partida para o seminário inclui dados surpreendentes: enquanto 15% de toda a comida produzida no mundo é cultivada em áreas urbanas, há sinais de rápida urbanização das áreas rurais.
As mudanças no cenário rural incluem a construção de condomínios de luxo na periferia das grandes cidades, a transformação de fazendas em hotéis e a disseminação dos pesque-pague como opção de lazer para a classe média.
Esses empreendimentos, onde os clientes pagam pelo peixe que pescam, já são responsáveis por 90% do comércio de pescado de água doce no Brasil.
As consequências dessa transformação são várias, inclusive sobre a organização do trabalho no campo. No Estado de São Paulo, por exemplo, 44% da população rural ocupada trabalha em atividades sem nenhuma ligação com agricultura ou pecuária.
Segundo o professor da Unicamp José Graziano da Silva, um dos coordenadores do projeto Rurbano, as feiras, rodeios e festas de peão-de-boiadeiro já movimentam uma renda superior às exportações brasileiras de soja e café somadas.
Essa transição da economia rural que está em curso no Brasil já foi completa nos países desenvolvidos. Lá, por causa dos avanços da mecanização da agricultura, as alternativas de produção de emprego rural estão ligadas ao setor de serviços.
Toda essa transformação está ocorrendo sem a participação do Estado. "É preciso que haja uma coordenação entre os programas oficiais de desenvolvimento. Porque quase sempre um programa beneficia a área urbana em detrimento da rural e vice-versa", diz Jonas Rabinovitch, do Pnud.
Ele cita como exemplo as regiões metropolitanas, onde os programas de governo muitas vezes não levam em conta as implicações que uma ação em determinada área tem sobre a vizinha.
Entre as recomendações que os técnicos de duas dezenas de países apresentaram durante o encontro, destacam-se, na área de governo, o incremento do uso do espaço rural para acomodar os pobres das periferias das cidades.
Um dos exemplos disso é o projeto de vilas rurais do governo do Paraná, que financia a construção de habitações para bóias-frias.
O uso de subsídios também ficou entre as recomendações. Especialmente na forma de microcrédito, a juros mais baixos do que os de mercado, para financiar atividades que fixem as pessoas nas áreas rurais.
Entre os exemplos estão formas de facilitar a venda de produtos agrícolas nos mercados urbanos.
Os técnicos recomendaram ainda a descentralização das políticas para reforçar o papel do poder local. Com a ressalva de que essa transferência não seja apenas de responsabilidades, mas acompanhada de verbas. No combate à pobreza, as recomendações foram de ofertar às populações rurais serviços -como educação- e infra-estrutura -como transporte- que permitam às pessoas produzir e viver em condições equivalentes às da cidade.



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