São Paulo, quinta-feira, 22 de abril de 2004

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Parentes enfrentam apreensão e escassez

IURI DANTAS
ENVIADO ESPECIAL A PORTO VELHO (RO)

Desde o início da rebelião de detentos no presídio Urso Branco, cerca de 150 parentes e amigos dos presos aguardam ao lado da penitenciária por notícias. O clima é de apreensão e escassez: a maioria come apenas biscoitos e bebe refrigerantes. Não há uma ambulância no local nem área para higiene pessoal.
A reportagem é recebida com um misto de desconfiança e desespero, como se fosse possível trazer notícias mais recentes sobre a evolução das negociações com o governo. Mãe de um menino de dois anos e grávida de sete meses, Viviane acendeu um cigarro, disse ter 21 anos, mas aparentava não ter mais de 17.
Não quis dar o sobrenome. O marido cumpre pena por tráfico de drogas. "O apoio dele é a gente aqui fora", resume. O marido está envolvido com a rebelião. "Não tem como não se envolver. Ele precisa para continuar vivo."
Segundo ela, a rebelião estava sendo planejada desde dezembro, como protesto contra supostos maus-tratos praticados pela direção. "Isso aí é uma forma de se defender. São espancados, surrados. Outro dia o diretor botou todos no pátio, mandou tirar a camisa e jogou pimenta malagueta nas costas deles."
Também esperando notícias de seu marido, Kedma, 21, disse que ele não precisaria estar lá: "Está com a pena vencida faz um ano e dois meses e não consegue sair".
Mãe de Salatiel de Oliveira Filho, 23, a comerciante Maria Aparecida Silva Oliveira, 47, afirmou que tenta transferi-lo de Urso Branco desde janeiro para Cuiabá, onde mora. Sua principal dificuldade é o dinheiro. Foi informada de que teria que pagar a passagem dele e de dois policiais militares, além de suas hospedagens, para a transferência ocorrer.
Salatiel de Oliveira, pai do detento, ironizou: "Devem estar esperando ele morrer para transferir". Seu filho era uma das 24 pessoas amarradas, selecionadas para morrer pelos detentos. Antes de ser morto no topo da caixa-d'água, Salatiel conseguiu se desvencilhar e pulou de uma altura de 26 metros. Quebrou as pernas, mas conseguiu ser encontrado por policiais e aguarda o fim da rebelião para deixar o "seguro".

Negociação
A Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Porto Velho não tem mais legitimidade para negociar com os detentos rebelados do presídio Urso Branco, em Rondônia, porque o governo estadual não vem honrando os acordos firmados em outras ocasiões semelhantes. A avaliação é do padre Paulo Tadeu Barausse, da própria comissão. "Estamos desgastados com os presos", afirmou.
Segundo ele, os detentos vem se alimentando de gatos, que são mortos no interior do presídio e assados em fogueiras, desde anteontem. Ele afirma que 75 presos foram mortos em rebeliões nos últimos três anos.
O padre conta que há pelo menos 15 dias informou a Promotoria e o governo estadual sobre a iminência de uma rebelião. Segundo Barausse, 850 presos mantêm 159 mulheres e oito homens reféns no interior do presídio.


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