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INCULTA & BELA
Vezeiro, sicrano, supetão
PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha
Quando se estuda filosofia,
aprende-se que se deve buscar
a verdade. A verdade, e não a
certeza.
Em tudo na vida, a certeza
quase sempre não passa de
mero engano. Em língua, a
coisa não é lá muito diferente.
As certezas são muitas, e os
tombos, também.
Muita gente seria capaz de
apostar um caminhão de dinheiro na grafia do nome daquela bela flor, que também é
nome de mulher. Começa com
"hor" e termina com "ia".
Já sabe qual é? "Hortência",
com "c", é claro. Você acaba de
perder a aposta. "Hortênsia"
se escreve com "s".
No ano passado, a Prefeitura
de São Paulo ajudou o povo a
fixar a grafia errada, numa
propaganda exposta em cartazes de rua. Fazendo um jogo
com o nome da ex-jogadora de
basquete Hortência (com "c"),
que participaria da comemoração da chegada da primavera, o painel publicitário mostrava a foto de uma hortênsia.
O detalhe: com inicial minúscula, o nome da flor aparecia errado, isto é, com "c".
Talvez recentemente você tenha visto na TV um filme institucional em que um cidadão
percorre uma repartição e
apresenta a alguém os funcionários. E vai dando os nomes:
"Este é fulano, gerente de x.
Este é sicrano, responsável pelo departamento y. Esta é beltrana, da seção z".
Muita gente me perguntou se
o personagem não errava na
pronúncia? "Não é siclano?",
perguntaram-me muitas pessoas. Surpresa geral quando
eu respondia que é com "r"
mesmo, e que começa com "s".
As pessoas apostavam no "c" e
no "l" ("ciclano"). "Ciclano" é
termo empregado em química.
Não se surpreenda se, ao ler
Alencar, você encontrar "froco", tão legítima quanto "floco": "Sua tez, alva e pura como
um froco de algodão...". Isso
está em "O Guarani".
Também não se surpreenda
se em Herculano você encontrar "frecha", tão correta
quanto "flecha". Mas não saia
procurando "siclano". Você só
vai achar "sicrano".
Outra que certamente faria
muita gente perder apostas é
"supetão". Não se chega de
"sopetão". Chega-se de "supetão" mesmo, com "u". "Supetão" é da família de "súbito",
que significa "repentino".
Para terminar, a palavra
"vezeiro", usada na expressão
"useiro e vezeiro": "É useiro e
vezeiro em falar dos outros".
De onde vem "vezeiro"? Muita gente apostaria na relação
com a palavra "vez". Nem
pensar. "Vezeiro" vem de "vezo", que, por sua vez, vem do
latim "vitiu".
O que significa? Nada mais
do que "vício", "costume".
Quem é vezeiro tem o vício, o
costume, o hábito.
E, por falar em vício, que tal
-pelo menos em língua-
criar o de desconfiar da "certeza"? É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna
às quintas-feiras.
E-mail: inculta@uol.com.br
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