São Paulo, Quinta-feira, 22 de Abril de 1999
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INCULTA & BELA

Vezeiro, sicrano, supetão

PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha

Quando se estuda filosofia, aprende-se que se deve buscar a verdade. A verdade, e não a certeza.
Em tudo na vida, a certeza quase sempre não passa de mero engano. Em língua, a coisa não é lá muito diferente. As certezas são muitas, e os tombos, também.
Muita gente seria capaz de apostar um caminhão de dinheiro na grafia do nome daquela bela flor, que também é nome de mulher. Começa com "hor" e termina com "ia".
Já sabe qual é? "Hortência", com "c", é claro. Você acaba de perder a aposta. "Hortênsia" se escreve com "s".
No ano passado, a Prefeitura de São Paulo ajudou o povo a fixar a grafia errada, numa propaganda exposta em cartazes de rua. Fazendo um jogo com o nome da ex-jogadora de basquete Hortência (com "c"), que participaria da comemoração da chegada da primavera, o painel publicitário mostrava a foto de uma hortênsia.
O detalhe: com inicial minúscula, o nome da flor aparecia errado, isto é, com "c".
Talvez recentemente você tenha visto na TV um filme institucional em que um cidadão percorre uma repartição e apresenta a alguém os funcionários. E vai dando os nomes: "Este é fulano, gerente de x. Este é sicrano, responsável pelo departamento y. Esta é beltrana, da seção z".
Muita gente me perguntou se o personagem não errava na pronúncia? "Não é siclano?", perguntaram-me muitas pessoas. Surpresa geral quando eu respondia que é com "r" mesmo, e que começa com "s". As pessoas apostavam no "c" e no "l" ("ciclano"). "Ciclano" é termo empregado em química.
Não se surpreenda se, ao ler Alencar, você encontrar "froco", tão legítima quanto "floco": "Sua tez, alva e pura como um froco de algodão...". Isso está em "O Guarani".
Também não se surpreenda se em Herculano você encontrar "frecha", tão correta quanto "flecha". Mas não saia procurando "siclano". Você só vai achar "sicrano".
Outra que certamente faria muita gente perder apostas é "supetão". Não se chega de "sopetão". Chega-se de "supetão" mesmo, com "u". "Supetão" é da família de "súbito", que significa "repentino".
Para terminar, a palavra "vezeiro", usada na expressão "useiro e vezeiro": "É useiro e vezeiro em falar dos outros".
De onde vem "vezeiro"? Muita gente apostaria na relação com a palavra "vez". Nem pensar. "Vezeiro" vem de "vezo", que, por sua vez, vem do latim "vitiu".
O que significa? Nada mais do que "vício", "costume". Quem é vezeiro tem o vício, o costume, o hábito.
E, por falar em vício, que tal -pelo menos em língua- criar o de desconfiar da "certeza"? É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail: inculta@uol.com.br


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