São Paulo, segunda-feira, 22 de maio de 2000


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DROGAS
Programas de redução de danos, que distribuirão 2 milhões de seringas este ano, não atingem classes médias e altas

Troca de seringas "caça" usuário de elite

AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE

Entidades de Saúde estudam formas para chegar aos usuários de cocaína injetável "escondidos" nas classes média e alta.
Entre os cerca de 15 mil dependentes desse uso alcançados pelos programas que trocam seringas, quase todos são das classes média-baixa e baixa e 82% deles não têm emprego fixo.
Os 33 programas implantados no país devem "trocar" neste ano 2 milhões de seringas. É o dobro do ano passado, mas o universo de usuários de injetáveis atingido não chegaria a 15%. Entre os que estão de fora, estariam usuários das classes mais altas.
"Sabemos que eles existem, mas não sabemos quantos são, não temos acesso a eles nem conhecemos suas práticas", diz Denise Gandolfi, do programa de Aids e drogas do Ministério da Saúde.
A preocupação maior é com a disseminação do vírus da Aids pelo uso coletivo de agulhas. No país todo, um quinto dos casos da doença foi provocado diretamente pelas injeções.
Em regiões como Itajaí, no litoral norte de Santa Catarina, 70% dos que injetam drogas já estão contaminados.

Fuga
A dificuldade é que os "usuários de elite" tendem a fugir dos serviços públicos. Os programas de redução de danos trocam seringas, levam preservativos e funcionam como o único elo de acesso dos dependentes aos serviços de Saúde. Os contatos são feitos nos pontos de picos, barracos, casas abandonadas ou terrenos baldios.
Aos usuários das classes mais altas não faltam seringas -elas custam R$ 0,30 nas farmácias - nem locais seguros para se aplicar. Mas podem estar faltando informações e cuidados médicos, suspeitam os especialistas. A melhor pessoa para dizer isso a eles seriam os profissionais de saúde, nos seus consultórios particulares. Para isso, precisariam ser melhor treinados e preparados nas escolas de medicina.
"São estratégias que pretendemos aprofundar", diz a psicóloga Denise Doneda, do programa de Aids e drogas do ministério.
A preocupação com os "dependentes de elite" foi lembrada no Seminário Sul-Americano de Redução de Danos Associados ao Uso de Drogas, que aconteceu esta semana em Porto Alegre.
Representantes de sete países participaram do encontro. No continente, só o Brasil e a Argentina têm programas de redução de danos para usuários de drogas injetáveis. No país, as primeiras tentativas começaram em Santos, em 1989. Em Buenos Aires, o programa tem um ano.
Porto Alegre foi escolhida como sede do encontro porque neste ano estará "trocando" 1 milhão de seringas, metade do previsto nos programas similares de todo o país no mesmo período do ano passado.
No final da sexta-feira, os participantes divulgaram a Carta de Porto Alegre, conclamando os países latino-americanos a iniciarem e ampliarem programas. Também pediram a aprovação de leis que garantam os programas de redução. Até hoje, a troca de seringas é considerada crime pela lei de drogas em vigor.
Um dos mais importantes passos do seminário foi a decisão de se iniciar programas de troca dentro dos presídios, o que significa um reconhecimento de que há drogas no interior das prisões.


Aureliano Biancarelli viajou a convite do Seminário de Redução de Danos


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