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São Paulo, domingo, 22 de junho de 2003

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Xeque-mate na exclusão

Morador de uma das regiões mais pobres de SP passa em "vestibulinho" de colégio de elite paulistana, ganha bolsa e se firma entre os melhores da escola

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Ainda é madrugada quando o estudante Edson Melo Ferreira de Mesquita, 15, sai de casa, na periferia de Parelheiros, e pega um ônibus que o deixará, quase duas horas depois, perto do Colégio Bandeirantes, no Paraíso, zona sul de São Paulo. Longe de achar a viagem entediante, o garoto se distrai resolvendo problemas de física e de matemática. E não se trata de dever de casa atrasado. É pura diversão.
"Abstraio. Quando vejo, já cheguei", comenta o fã de Isaac Newton, Galileu e Pitágoras, que repete a mesma "diversão" à tarde, nas duas horas de viagem de volta.
Ex-aluno de escola pública de uma das regiões mais pobres de São Paulo, Edson ganhou neste ano uma bolsa de estudo no Bandeirantes, fato inédito em quase 70 anos de história do colégio. Em quatro meses de aula, o adolescente já figura entre os melhores alunos da escola.
Desde os quatro anos, quando ainda usava chupeta e fraldas, Edson já surpreendia pelo raciocínio rápido e precisão nos cálculos. "A molecada passava na rua e pedia para ele fazer contas", lembra a mãe, a faxineira Ângela Maria Mello Ferreira, 51, que nunca frequentou a escola.
Ela aprendeu a ler e a fazer as operações básicas de matemática com o pai do menino, um engenheiro químico casado, morto há quatro anos, que manteve a segunda família em segredo durante quase 20 anos.
"Ele sempre esteve presente, sustentava a casa, mas não teve coragem de assumir os meninos. Quando eu dava à luz, ele me levava ao cartório, mas, na certidão de nascimento, só aparecia o meu nome", diz Ângela.
Edson e o irmão Guilherme, sete anos mais velho, só foram reconhecidos como filhos após a morte do pai. A família luta na Justiça pelo direito a parte de seus bens.
Com a morte do engenheiro, Ângela passou a fazer faxina para sustentar a casa. O filho mais velho, técnico em eletrônica, ajudava como podia. Edson, na época na 5ª série do ensino fundamental, já era o melhor aluno da escola estadual Leda Guimarães Natal, a poucos metros da sua casa.

Ajuda dos professores
Impressionados com o excelente desempenho do garoto -a menor nota do boletim era B, em educação física-, dois professores mandaram e-mails para diretores de colégios particulares relatando o brilhantismo do aluno, inclusive nos jogos de xadrez.
Mauro de Salles Aguiar, diretor-presidente do Colégio Bandeirantes, ficou interessado pela história do garoto e o convidou a participar das aulas de xadrez ministradas na escola. Logo Edson se revelou um dos melhores enxadristas da equipe e começou a ensinar o jogo aos colegas da escola pública de Parelheiros.
"Virou uma febre na escola. Tinha que chamar a atenção porque todos só queriam jogar xadrez", lembra a professora de português Rosana Regina Pádula, 41, uma das "tutoras" do adolescente.
No final do ano passado, Edson prestou o vestibulinho do Bandeirantes, um dos mais disputados do ensino médio paulistano. O resultado lhe garantiu uma bolsa de estudo integral. A mensalidade no colégio é de R$ 1.000,28, valor equivalente a três meses de salário da mãe de Edson.
"Ele é excelente. Tem autocrítica rigorosa e é muito esforçado. É um exemplo para os nossos alunos", diz o diretor Mauro Aguiar, que decidiu, pessoalmente, bancar o material didático do garoto.
Também por iniciativa própria, os professores do Bandeirantes passaram a custear a alimentação do garoto na cantina da escola. "Ele faz aulas de reforço e de aprofundamento. Aproveita tudo o que o colégio oferece", diz Aguiar.
E não é por acaso. Ciente de suas limitações com a língua inglesa -teve média 6,5 no último bimestre-, Edson quer progredir. "Meu vocabulário ainda é pobre, mas sei que posso melhorar."
Já na área de exatas, especialmente física e química, ele se sente em casa. Obteve as melhores notas da classe -9,5 e 9, respectivamente- e virou referência na sala de aula. "Alguns colegas me pedem ajuda para os problemas mais difíceis."

Foguete
Para as férias de julho, o projeto é construir um foguete com garrafas plásticas de refrigerante e canos de PVC -sugestão feita pelo professor de física. Edson já calculou que, "na pior das hipóteses", o foguete subirá 80 metros. "É muito legal. Dá para calcular um monte de coisas. É aplicação da lei de ação e reação de Newton", conta, com entusiasmo.
Apesar da brutal diferença socioeconômica entre ele e os novos colegas, diz que nunca se sentiu discriminado. "Sou muito bem tratado. Até já dormi na casa de alguns amigos." Sobre namoradas, ele desconversa: "Não sou bom nessas coisas. As meninas me acham meio nerd. Só me procuram para pedir ajuda".


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