|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Xeque-mate na exclusão
Morador de uma das regiões mais pobres de SP passa em "vestibulinho" de colégio de elite paulistana, ganha bolsa e se firma entre os melhores da escola
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Ainda é madrugada quando o
estudante Edson Melo Ferreira de
Mesquita, 15, sai de casa, na periferia de Parelheiros, e pega um
ônibus que o deixará, quase duas
horas depois, perto do Colégio
Bandeirantes, no Paraíso, zona
sul de São Paulo. Longe de achar a
viagem entediante, o garoto se
distrai resolvendo problemas de
física e de matemática. E não se
trata de dever de casa atrasado. É
pura diversão.
"Abstraio. Quando vejo, já cheguei", comenta o fã de Isaac Newton, Galileu e Pitágoras, que repete a mesma "diversão" à tarde, nas
duas horas de viagem de volta.
Ex-aluno de escola pública de
uma das regiões mais pobres de
São Paulo, Edson ganhou neste
ano uma bolsa de estudo no Bandeirantes, fato inédito em quase
70 anos de história do colégio. Em
quatro meses de aula, o adolescente já figura entre os melhores
alunos da escola.
Desde os quatro anos, quando
ainda usava chupeta e fraldas, Edson já surpreendia pelo raciocínio
rápido e precisão nos cálculos. "A
molecada passava na rua e pedia
para ele fazer contas", lembra a
mãe, a faxineira Ângela Maria
Mello Ferreira, 51, que nunca frequentou a escola.
Ela aprendeu a ler e a fazer as
operações básicas de matemática
com o pai do menino, um engenheiro químico casado, morto há
quatro anos, que manteve a segunda família em segredo durante quase 20 anos.
"Ele sempre esteve presente,
sustentava a casa, mas não teve
coragem de assumir os meninos.
Quando eu dava à luz, ele me levava ao cartório, mas, na certidão de
nascimento, só aparecia o meu
nome", diz Ângela.
Edson e o irmão Guilherme, sete anos mais velho, só foram reconhecidos como filhos após a morte do pai. A família luta na Justiça
pelo direito a parte de seus bens.
Com a morte do engenheiro,
Ângela passou a fazer faxina para
sustentar a casa. O filho mais velho, técnico em eletrônica, ajudava como podia. Edson, na época
na 5ª série do ensino fundamental, já era o melhor aluno da escola
estadual Leda Guimarães Natal, a
poucos metros da sua casa.
Ajuda dos professores
Impressionados com o excelente desempenho do garoto -a
menor nota do boletim era B, em
educação física-, dois professores mandaram e-mails para diretores de colégios particulares relatando o brilhantismo do aluno,
inclusive nos jogos de xadrez.
Mauro de Salles Aguiar, diretor-presidente do Colégio Bandeirantes, ficou interessado pela história
do garoto e o convidou a participar das aulas de xadrez ministradas na escola. Logo Edson se revelou um dos melhores enxadristas
da equipe e começou a ensinar o
jogo aos colegas da escola pública
de Parelheiros.
"Virou uma febre na escola. Tinha que chamar a atenção porque
todos só queriam jogar xadrez",
lembra a professora de português
Rosana Regina Pádula, 41, uma
das "tutoras" do adolescente.
No final do ano passado, Edson
prestou o vestibulinho do Bandeirantes, um dos mais disputados
do ensino médio paulistano. O resultado lhe garantiu uma bolsa de
estudo integral. A mensalidade no
colégio é de R$ 1.000,28, valor
equivalente a três meses de salário
da mãe de Edson.
"Ele é excelente. Tem autocrítica rigorosa e é muito esforçado. É
um exemplo para os nossos alunos", diz o diretor Mauro Aguiar,
que decidiu, pessoalmente, bancar o material didático do garoto.
Também por iniciativa própria,
os professores do Bandeirantes
passaram a custear a alimentação
do garoto na cantina da escola.
"Ele faz aulas de reforço e de aprofundamento. Aproveita tudo o
que o colégio oferece", diz Aguiar.
E não é por acaso. Ciente de
suas limitações com a língua inglesa -teve média 6,5 no último
bimestre-, Edson quer progredir. "Meu vocabulário ainda é pobre, mas sei que posso melhorar."
Já na área de exatas, especialmente física e química, ele se sente
em casa. Obteve as melhores notas da classe -9,5 e 9, respectivamente- e virou referência na sala de aula. "Alguns colegas me pedem ajuda para os problemas
mais difíceis."
Foguete
Para as férias de julho, o projeto
é construir um foguete com garrafas plásticas de refrigerante e canos de PVC -sugestão feita pelo
professor de física. Edson já calculou que, "na pior das hipóteses", o
foguete subirá 80 metros. "É muito legal. Dá para calcular um
monte de coisas. É aplicação da lei
de ação e reação de Newton", conta, com entusiasmo.
Apesar da brutal diferença socioeconômica entre ele e os novos
colegas, diz que nunca se sentiu
discriminado. "Sou muito bem
tratado. Até já dormi na casa de
alguns amigos." Sobre namoradas, ele desconversa: "Não sou
bom nessas coisas. As meninas
me acham meio nerd. Só me procuram para pedir ajuda".
Texto Anterior: UNE: Nova liderança estudantil será eleita hoje Próximo Texto: "Edson é um exemplo", diz ex-professora Índice
|