São Paulo, sábado, 22 de julho de 2000


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Morador de viaduto promete resistir à remoção da prefeitura

CAMILA TOSELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Os moradores de rua que vivem embaixo dos viadutos da cidade de São Paulo pretendem resistir à ação da prefeitura de removê-los. Apesar de viverem em condições precárias, eles temem que a prefeitura, que promete retirar moradores de 43 dos quase 200 viadutos por temer novos incêndios, os leve para locais piores.
As famílias, que sobrevivem dentro das estruturas dos viadutos, vivem sem água e utilizam energia elétrica "puxada" de postes de iluminação. A maioria trabalha, mas conta com caridade. Nenhuma das crianças estuda.
A Secretaria da Assistência Social (SAS) informou que os moradores de rua da cidade são 8.704, mas não soube informar quantos deles moram nessas condições. Apesar da promessa de retirá-los dos viadutos, a prefeitura ainda não sabe dizer para onde irá transferi-los. Uma das possibilidades é dar uma passagem para que eles voltem às suas cidades de origem.
Valdeci Fernandes, 32, que mora embaixo da ponte da Cidade Universitária (zona oeste) com a mulher e os quatro filhos, disse que não sai de lá de jeito nenhum. "Se o Pitta vier me tirar daqui, eu volto. Nem que tenha que cavar um buraco", afirmou Fernandes.
A família de Fernandes toma banho de bacia com a água "doada" por um museu próximo à ponte. "As necessidades a gente faz aqui, tira e joga no esgoto, mas ainda vou fazer um banheiro aqui dentro", disse ele, que costuma fazer bicos e catar papelão.
A desempregada Rosilene Pereira dos Santos, 24, também mora embaixo da ponte da Cidade Universitária com um filho de 5 anos, um colega e a irmã de 16 anos. "Se vierem tirar a gente daqui, vou ser obrigada a resistir", afirmou Rosilene.
Ela disse que, se tivesse condições de comprar uma casa, não estaria lá. Rosilene é soropositiva, está grávida de 8 meses e o marido foi preso. "Sobrevivemos porque todo mundo ajuda."
"Aqui é bom porque não dependemos de ninguém", disse Luciano Lúcio, 22, que mora embaixo de um viaduto próximo à ponte da Casa Verde (zona norte) com 15 colegas, incluindo três meninas. O sonho dele é ter uma família: "Aqui todo mundo se ajuda. O ruim é não ter família".
O catador de papelão Rogério Alencar de Almeida tem 25 anos e trouxe os outros para morarem com ele debaixo do viaduto. "Vi os meninos passando frio e fome na estação e trouxe eles para cá. Aqui a gente não fica sem comer", disse Almeida.
Ele é o mais velho de todos e toma conta dos menores que têm entre 11 e 16 anos. O catador afirmou que alguns dos meninos o ajudam, outros "olham" carros ou pedem dinheiro na estação. "Pelo menos eles ficam longe da violência e das drogas."
Gilcemar Batista Martins, 12, morava na estação e foi levado para debaixo do viaduto por Almeida. "Depois que o meu pai morreu, minha mãe me mandava embora de casa toda hora e ainda me batia com fio. Aí eu saí e não voltei mais", disse Martins, que mora na rua há mais de um ano.
Darlene Moraes da Silva, 24, vende balas em faróis da cidade e mora debaixo da ponte Jânio Quadros (antigo viaduto Vila Maria), zona norte de São Paulo. Silva mora com o marido, dois filhos (de 2 e 3 anos) e um sobrinho (de 11 anos).
O espaço debaixo da ponte é dividido ainda com a família do jardineiro José Martins de Lima Neto, 36, que mora com a mulher, e uma filha de 1 ano.
"Só com o dinheiro da passagem eu não volto para a minha terra. Pelo menos aqui a gente não passa fome", disse Neto. O sonho do casal é conseguir cerca de R$ 2 mil para retornar à Bahia (de onde vieram há cinco meses) e montar uma "vendinha".


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