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LETRAS JURÍDICAS
Eleições prejudicam política criminal
WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
E m períodos que antecedem
pleitos eleitorais, é comum
ver candidatos propondo agravamento das penas criminais, na esperança de que lhes tragam mais
votos. Confiam no fato de que são
raros os votantes conhecedores
das restrições constitucionais sobre a competência para produzir
leis. Assim, o candidato corre
pouco risco de ser chamado de ignorante ou ardiloso.
A Folha mostrou, esta semana,
outdoor de Paulo Salim Maluf,
candidato a prefeito de São Paulo, defendendo a introdução da
prisão perpétua no Código Penal
brasileiro. Se o outdoor for mantido, será propaganda enganosa,
pois o próprio Maluf já reconheceu a impossibilidade de emendar a Constituição ou a lei para
criar a prisão perpétua. Há proibição expressa no artigo 60, da
Carta Magna, de qualquer alteração do artigo 5º, que trata das garantias fundamentais do cidadão.
Logo, logo, outros candidatos
municipais virão a defender a pena de morte, em mais um despropósito constitucional, pois a punição extrema somente poderia ser
criada no Brasil se editada nova
Constituição que revogasse a de
1988. Independentemente do elemento jurídico, posso aproveitar
o gancho para lembrar que saiu
nos Estados Unidos o livro "A
Broken System: Error Rates in
Capital Cases", examinando condenações à morte, no período de
22 anos entre 1973 e 1995. A pesquisa, levantada por James S.
Liebman, Jeffrey Fagan e Valerie
West, envolveu a presença, naquele período, de todos os 5.760
habitantes do corredor da morte
(os que esperam a execução da
sentença), dos quais 4.578 recorreram das condenações.
O oferecimento de recursos
mostrou que, em muitos processos, havia gravíssimos erros de
procedimento, gerando nulidades. Foi fácil constatar que, em
muitos desses casos - obviamente quando os acusados eram pobres-, seus defensores cometeram erros primários, omitindo
pontos fundamentais favoráveis
aos réus. Ainda pior: autoridades
policiais e promotores esconderam dos jurados elementos de
prova ou mesmo suprimiriam dos
processos informações que favoreceriam os acusados.
Quando se fala em condenações
injustas, uma das respostas frequentes encontradas entre nós -
e também nos Estados Unidos -
é a de que naquele caso pode ter
havido injustiça, mas o condenado era mesmo criminoso e teve de
cumprir a pena "por conta" dos
outros delitos. Não é assim que se
faz justiça, até porque os que pagam "por conta" de crimes diversos são sempre os menos favorecidos pela fortuna, que não podem
remunerar os serviços dos profissionais mais competentes, dos peritos mais argutos, e, assim, levantar todos os elementos técnicos necessários para a comprovação de sua inocência ou suficientes para despertar a dúvida no
corpo de jurados.
Há perplexidades estatísticas no
caso. Serve de exemplo o Estado
da Virgínia. Tradicional centro
de dominação branca no sul dos
Estados Unidos, registra cinco vezes mais execuções do que a média do país. As apelações deferidas lá são apenas 20% das acolhidas em outros Estados. A estatística sugere, outrossim, que algo como 280 dos 5.760 condenados fossem absolutamente inocentes, isso num país riquíssimo, com tecnologia da maior sofisticação,
com a polícia e o Judiciário superaparelhados.
Quando as eleições de outubro
levarem os candidatos a fazer
propostas de agravamento das
penas (ignorem ou não as leis e as
Constituições, como ocorreu com
Maluf), será sempre bom lembrar
que é melhor perdoar cinco criminosos do que condenar um inocente, especialmente se a pena for
de prisão perpétua ou de morte.
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