São Paulo, sábado, 22 de julho de 2000


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LETRAS JURÍDICAS

Eleições prejudicam política criminal

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

E m períodos que antecedem pleitos eleitorais, é comum ver candidatos propondo agravamento das penas criminais, na esperança de que lhes tragam mais votos. Confiam no fato de que são raros os votantes conhecedores das restrições constitucionais sobre a competência para produzir leis. Assim, o candidato corre pouco risco de ser chamado de ignorante ou ardiloso.
A Folha mostrou, esta semana, outdoor de Paulo Salim Maluf, candidato a prefeito de São Paulo, defendendo a introdução da prisão perpétua no Código Penal brasileiro. Se o outdoor for mantido, será propaganda enganosa, pois o próprio Maluf já reconheceu a impossibilidade de emendar a Constituição ou a lei para criar a prisão perpétua. Há proibição expressa no artigo 60, da Carta Magna, de qualquer alteração do artigo 5º, que trata das garantias fundamentais do cidadão.
Logo, logo, outros candidatos municipais virão a defender a pena de morte, em mais um despropósito constitucional, pois a punição extrema somente poderia ser criada no Brasil se editada nova Constituição que revogasse a de 1988. Independentemente do elemento jurídico, posso aproveitar o gancho para lembrar que saiu nos Estados Unidos o livro "A Broken System: Error Rates in Capital Cases", examinando condenações à morte, no período de 22 anos entre 1973 e 1995. A pesquisa, levantada por James S. Liebman, Jeffrey Fagan e Valerie West, envolveu a presença, naquele período, de todos os 5.760 habitantes do corredor da morte (os que esperam a execução da sentença), dos quais 4.578 recorreram das condenações.
O oferecimento de recursos mostrou que, em muitos processos, havia gravíssimos erros de procedimento, gerando nulidades. Foi fácil constatar que, em muitos desses casos - obviamente quando os acusados eram pobres-, seus defensores cometeram erros primários, omitindo pontos fundamentais favoráveis aos réus. Ainda pior: autoridades policiais e promotores esconderam dos jurados elementos de prova ou mesmo suprimiriam dos processos informações que favoreceriam os acusados.
Quando se fala em condenações injustas, uma das respostas frequentes encontradas entre nós - e também nos Estados Unidos - é a de que naquele caso pode ter havido injustiça, mas o condenado era mesmo criminoso e teve de cumprir a pena "por conta" dos outros delitos. Não é assim que se faz justiça, até porque os que pagam "por conta" de crimes diversos são sempre os menos favorecidos pela fortuna, que não podem remunerar os serviços dos profissionais mais competentes, dos peritos mais argutos, e, assim, levantar todos os elementos técnicos necessários para a comprovação de sua inocência ou suficientes para despertar a dúvida no corpo de jurados.
Há perplexidades estatísticas no caso. Serve de exemplo o Estado da Virgínia. Tradicional centro de dominação branca no sul dos Estados Unidos, registra cinco vezes mais execuções do que a média do país. As apelações deferidas lá são apenas 20% das acolhidas em outros Estados. A estatística sugere, outrossim, que algo como 280 dos 5.760 condenados fossem absolutamente inocentes, isso num país riquíssimo, com tecnologia da maior sofisticação, com a polícia e o Judiciário superaparelhados.
Quando as eleições de outubro levarem os candidatos a fazer propostas de agravamento das penas (ignorem ou não as leis e as Constituições, como ocorreu com Maluf), será sempre bom lembrar que é melhor perdoar cinco criminosos do que condenar um inocente, especialmente se a pena for de prisão perpétua ou de morte.


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