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OPINIÃO
Os médicos e a indústria
PEDRO PAULO MONTELEONE
A criminosa onda de medicamentos falsos traz à tona a omissão histórica das autoridades em
fiscalizar o setor e punir bandidos
e levanta discussões sobre o papel
da indústria farmacêutica no país.
A demora de alguns laboratórios
em reconhecer publicamente a falsificação ou o roubo de produtos e
em recolher imediatamente lotes
suspeitos demonstra que o setor
vê o medicamento apenas como
um bem de consumo, que visa o
lucro. A preservação da imagem
da empresa e o possível impacto
negativo nas vendas importam
mais que a vida dos cidadãos.
Essa desumanidade, traduzida
em um marketing agressivo e milionário, há muito tem como alvo
principal os médicos. A propaganda de divulgação dos remédios, incluindo técnicas pouco éticas de
convencimento, representa 20%
das despesas da indústria -três
vezes mais do que é gasto com pesquisa de novos produtos.
Segundo estudos do professor
José Augusto Cabral de Barros, da
Universidade de Pernambuco, no
Brasil, os laboratórios chegam a
gastar US$ 8.000 por ano para cada médico. Isso inclui visitas de
propagandistas, amostras grátis,
balangandãs de toda espécie, financiamento de congressos e publicações médicas, passagens e
hospedagem em eventos no exterior (às vezes incluindo as despesas do cônjuge) e até isenção de
anuidade em cartão de crédito.
Quanto aos médicos formadores
de opinião, pesquisadores, professores renomados e gestores de políticas públicas, o assédio é diferenciado, bem mais sedutor.
A intenção explícita da indústria
de influenciar a prescrição do médico já ultrapassou os limites da
ética. Os congressos médicos têm
se transformado em festas, feiras e
bingos dos laboratórios. Não raro,
até a programação científica dos
eventos é manipulada pelo patrocinador. Juntem-se a isso as deficiências de formação do médico
em farmacologia, a ausência do
farmacêutico e a "empurroterapia" nos balcões das drogarias e
temos como resultado o uso irracional de medicamentos, tão grave
quanto o de produtos inócuos.
O Brasil é hoje o sétimo e mais
promissor mercado farmacêutico
do mundo. Comercializa 5.000
produtos, emprega 50 mil pessoas
e movimenta por ano US$ 6 bilhões, sendo que 80% desse faturamento está nas mãos do oligopólio
das multinacionais. Mas apenas
20% da população consome, indiscriminadamente, 60% da produção de fármacos do país.
A questão dos remédios falsos
não deve ser tratada só como caso
de polícia, mas como indicador de
necessária e ampla revisão da nossa política de medicamentos. A vida da população e o exercício ético
da medicina estão em jogo.
Pedro Paulo Monteleone, 57, é professor-adjunto
de obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp/EPM) e presidente do Conselho Regional
de Medicina do Estado de São Paulo (CRM-SP)
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