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INCULTA & BELA
"Fêderal', "sôcial'...
PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha
"E quero me dedicar a
criar confusões de prosódia e
uma profusão de paródias que
encurtem dores e furtem cores
como camaleões..."
Reconhece? É "Língua", poema-canção de Caetano Veloso, em que o mestre faz interessante análise da evolução
da língua portuguesa.
E o que é "prosódia", que
Caetano menciona na letra?
Vamos ao Aurélio: "Pronúncia regular das palavras, com
a devida acentuação".
E diz mais: "A parte da gramática que estuda as pronúncias das palavras; ortoépia".
"Prosódia" vem do grego e
significa justamente " acento
que se põe sobre as vogais".
Na prática, quando se discute prosódia, discute-se basicamente onde colocar a sílaba
tônica de uma palavra, tomando por base o que se considera correto na língua culta.
"Interim" ou "ínterim"? É
"ínterim", proparoxítona. E é
ibero (e não "íbero"), filantropo (e não "filântropo"), circuito (como "cuido", com força no "u", e não no "i"), gratuito (como "intuito", com
força no "u" e não no "i"),
austero, e não "áustero".
Algumas palavras admitem
dupla prosódia, como Oceânia e Oceania, acrobata e
acróbata, zângão e zangão.
Muitas mudam de sentido
quando se lhes muda a posição da sílaba tônica, como é o
caso de fluido, com força no
"u" (o fluido do freio, por
exemplo), e fluído, particípio
do verbo fluir.
O deslocamento da sílaba
tônica tem um nome impagável: silabada.
Se Caetano tem razões artísticas -inerentes ao caráter
essencialmente inquieto de
um criador- para se "dedicar a criar confusões de prosódia", qual será a razão que
leva um banco estatal, brasileiro, a chamar seu cartão de
"Federal Card"?
Alguém pode dizer que o
cartão é internacional e que o
nome português (Cartão Federal) não seria "impactante".
Balela! O que interessa ao
comerciante de Narvik (norte
da Noruega) ou Puerto Montt
(sul do Chile) é apenas a administradora do cartão.
O nome só serve para macaquearmos um pouco mais
nossa já irremediável macaquice. Acrescentando uma bela silabada: Fêderal Card.
Acontece o mesmo com uma
empresa que trabalha com vale-alimentação, a Social Card,
cujo nome é anunciado no rádio mais ou menos assim: "Sôcial Card". Em que língua?
Em inglês a pronúncia não é
"sôcial", e sim algo parecido
com "sôxial" ou "sôuxial".
Não se trata de rabugem,
nem de nacionalismo tolo e
panfletário. Só não vejo necessidade de tamanha demonstração de subdesenvolvimento cultural. É isso.
Em tempo: acabo de ver um
ônibus escolar, branco. O que
se lê, na parte dianteira?
"School bus." Sem comentário.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna
às quintas-feiras
E-mail:inculta@uol.com.br
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