São Paulo, terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

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CECILIA GIANNETTI

Pra não esculhambar o Carnaval


Não nego que eu tenha atravessado o Flamengo de peruca cor-de-rosa e quimono na referida data

FIQUEI sabendo que houve por aí o Carnaval. Notícias do evento me chegaram pingadas através de amigos de outras cidades, decididos a aproveitar a festa na zona sul carioca. Pelo que ouvi e pelo que vi, a maneira de o Rio de Janeiro fazer tal festa foi alterada.
O que, de fato, experimentei ao sair de uma reunião de trabalho no sábado (juro por tudo que há de mais sagrado que estava mesmo trabalhando, e adiante garantirei a veracidade do álibi ainda com mais fervor), foi um tantinho diferente do que conheço da festa.
Maravilhoso e memorável, é claro, não se pode dizer o contrário, mesmo que tenha brincado mais através dos amigos do que com meus próprios pés. Porém, vale a pena comentar o que mudou nela neste ano, na esperança de que consertem esse desatino no próximo.
Não foi culpa do choque de ordem a sensação térmica comprovada de 50 graus centígrados e a total ausência de chuva no período. O mesmo não se pode dizer da constante falta de qualquer coisa que se pudesse comprar para beber em meio à maioria dos blocos; isso aí foi de (ir)responsabilidade da (re)organização da festa mesmo.
Uma coisa é coibir o comércio irregular, outra é deixar o povo frito, sem ter com o que matar a sede. Policiamento dez, hidratação zero. No segundo dia de baticum, calejados pelo anterior, pulado a seco, quem foi esperto levou de casa garrafinhas de água, e houve quem não saísse mais sem um pequeno isopor a tira-colo, incorporado à fantasia.
Para os cervejeiros, a "concentração" antes da saída de cada bloco nunca fez tanto sentido: ou bebiam ali ou não bebiam mais. Só no bar, depois de o bloco passar.
Faz sentido que a chefia queira "sanitarizar" a baderna na cidade olímpica. Mas repressão, por si só, não é melhoria; não é melhoria retirar os ambulantes de circulação durante o Carnaval mais quente dos últimos tempos sem oferecer alternativas suficientes para a multidão.
Houve bloco em que até os puxadores de marchinhas ficaram sem água, lá no alto dos carros de som, em pleno centro da cidade -situação inimaginável noutros Carnavais.
O Carnaval de rua do Rio de Janeiro, revitalizado com força total desde o começo dos anos 2000, cresceu apesar da violência, em resposta a décadas anteriores de repressão -merece tratamento de rei.

 

Agora eu gostaria de reforçar aqui que minha passagem pelos blocos neste ano foi meramente acidental. Labutei durante todo o Carnaval e realmente participei de uma reunião no sábado da festa.
Não nego, no entanto, que eu tenha atravessado o bairro do Flamengo de peruca cor-de-rosa e quimono na referida data. Fui avistada pela minha melhor metade nas cercanias do bloco Brejeiro ("Ué, você não ia trabalhar?!").
De acordo com a testemunha ocular, o agravante é que estava eu "fantasiada". Mas somente porque acreditei ser de bom tom, na ocasião, comparecer ao compromisso trabalhístico vestindo aqueles alegres trajes! Para não destoar da multidão nas ruas! E, ora, no Japão as moças modernosas usam roupas e cabelos muito mais ousados no dia a dia!
Em minha defesa podem falar ainda os foliões Arnaldo -camisa do Mengo, frango preto de plástico numa das mãos, na outra um tridente- e Viomar -sunga, longo pedaço de veludo amarrado no pescoço, à guisa de capa, capacete dourado com crina vermelha, escudo e espada. Presentes em todos os blocos, não me viram em (quase) nenhum.

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