São Paulo, sábado, 23 de maio de 1998

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DATA VENIA
Tarefa da promotoria

MARCELO MENDRONI

Imagine-se, hoje, um empresário que não acompanha as etapas da produção do seu produto. Mesmo sabendo dos baixos índices, contenta-se com a ineficiência e não exerce nenhum controle.
Transporte-se esse raciocínio para a atividade processual penal. O promotor que descuida da produção dos indícios e das provas, relegando-a à polícia, poderá não produzir o que deseja. Se já foi criticada a possibilidade de entregar à promotoria atividades intimamente ligadas à investigação criminal, a situação é hoje oposta, e não faltam autores favoráveis.
Os países da Europa Ocidental definem de forma escancaradamente evidente a atuação direta, ampla e genérica do Ministério Público na colheita das provas, considerando-a como a mais eficaz arma no combate ao crime.
Pesquisas recentes revelam inacreditável ineficiência da Polícia Civil em, sozinha, desvendar os casos que lhe são encaminhados. Alguns distritos policiais revelaram índice zero de apuração.
Já dizia Jeremias Bentham: "A arte do processo não é senão a arte de administrar as provas". Tamanha é a importância de cada uma das etapas do processo que J. Goldschmidt dedicou boa parte de sua obra mais importante à sua explicação, mostrando que, "para gerar o estado de expectativa de uma sentença favorável, deve geralmente a parte interessada realizar com êxito um ato processual. Ao contrário, as perspectivas de uma sentença desfavorável dependem sempre da omissão de um ato processual da parte interessada."
O mesmo raciocínio vale para a fase de investigação do crime -pré-processual. Sem embargo da tímida previsão expressa no Código de Processo Penal (art. 47), não há que negar que, na atual sistemática legislativa, já se atribui à promotoria essa atuação, pelas previsões constitucional e da Lei Orgânica do Ministério Público.
No art. 26 dessa lei, prevê-se que, "no exercício de suas funções, o Ministério Público poderá (...) requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, observado o disposto no artigo 129, VIII, da Constituição federal, podendo acompanhá-los".
Ora, se a promotoria pode requisitar as diligências investigatórias (e requisitar é ordenar), obviamente, "acompanhá-las" refere-se a orientar, delimitar, corrigir, inspecionar -enfim, dirigir e comandar. A atuação direta do promotor é importantíssima na produção probatória dos casos mais graves, em que a ordem pública haja sido mais abalada, como tráfico de drogas, roubo, homicídio, latrocínio, extorsão mediante sequestro etc., podendo ser delegada à polícia nos mais leves.
É imprescindível que se construa uma base sólida do processo: um procedimento preliminar investigatório enxuto, com atos capazes de gerar maior credibilidade, tanto no que diga respeito à forma como ao fato que se pretenda provar.
Parece importantíssimo, por outro lado, proteger o inquérito policial contra violações dos direitos individuais. Isso se torna atingível com muito maior segurança sob a direção do Ministério Público.
Essa concepção visa uma Justiça mais rápida e com maiores chances de um processo de qualidade, justo e correto -inclusive sob o prisma de que o processo penal se torna fator de constrangimento para a vida social do imputado.
A conscientização da comunidade jurídica brasileira é, portanto, embora já em destempo, imperativa e de evidência indisputável.


Marcelo Batlouni Mendroni, 34, promotor de Justiça em São Paulo, é coordenador do Gaeco (Grupo de Atração Especial de Combate ao Crime Organizado)



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