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LETRAS JURÍDICAS
Corrupção endêmica
WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas
Recente matéria de capa do
jornal americano "USA Today", voltada para a situação
em Miami, tratou da corrupção endêmica que assola a política da cidade, sobretudo a
relacionada com o financiamento de campanhas, assunto
no qual a hipocrisia brasileira
tocaria as raias do ridículo se
não desse margem a toda sorte de exploração.
O jornal compara a situação
atual à de Chicago dos anos
20, com exceção apenas dos
duelos de metralhadora nas
ruas da cidade. O assunto
também figura na mídia nacional, pois a lei que regulará
as eleições deste ano não solucionou o velho problema do
financiamento legal das candidaturas, como se viu, nas
últimas semanas, ao serem repercutidas as aflições dos bispos da CNBB.
No Brasil, assim como nos
Estados Unidos, um dos problemas é a distância entre o
texto legal vigente e a realidade prática. Em outras palavras: o partido político que seguir a lei ao pé da letra terá
sérias dificuldades para financiar suas campanhas. A
contrapartida do enfoque
pragmático mostra que a Justiça Eleitoral não tem meios
suficientes para tornar efetiva
a fiscalização dos gastos. O
dia-a-dia da vida traz um terceiro elemento corruptor: o telhado de vidro é quase geral.
Poucos atiram pedras, servindo-se delas, geralmente, para
o desabafo dos derrotados.
Tudo somado esbarra em
que, manifestado o apoio do
povo ao nome de um candidato, a Justiça Eleitoral tende a
respeitar o voto popular, ante
a impressão geral de que vencidos e vencedores se serviram
dos mesmos expedientes. Em
Miami, recentemente, a Justiça iniciou 23 processos contra
um eleito que, processado, terminou afastado do cargo.
Chamadas novas eleições, ele
se candidatou, e seus votos esmagaram a oposição.
Por outro lado, não podemos ignorar a heterogeneidade do país. As condições de
votação e de gastos no centro-sul e aqui, nas grandes cidades, não se comparam com
pequenos núcleos interioranos, em todo o território nacional. A política tem muitos
traços de semelhança com a
mais velha das profissões, e,
assim, a corrupção não é erradicável definitivamente. Contudo, nos pequenos núcleos
urbanos, é possível o conhecimento direto dos fatos, coisa
inviável nos grandes centros,
ante a complexidade da vida.
Naqueles, por exemplo, o voto
dos mortos é coisa normal.
Normalíssima em Miami.
Insere-se nesse campo heterogêneo um último fator: os
homens encarregados de elaborar as leis são, em boa parte, os beneficiários de seus defeitos. A história mostra que
os eventuais bem-intencionados na criação de leis seguras,
quase imunes aos desvios habituais, não foram suficientemente hábeis para impedir os
não-éticos de inserir dispositivos tendentes à satisfação de
interesses imorais. O conjunto
das circunstâncias apontadas
termina criando o pior dos
males, consistente na aceitação da corrupção como um
fato próprio da política e, em
particular, das campanhas
eleitorais, como se viu na confissão recente de um parlamentar do PTB a respeito de
ofertas atribuídas a Paulo
Maluf para "compra" do
apoio do partido. Ofertas logo
desmentidas.
O combate à corrupção eleitoral e às endemias que vitimam a legitimidade do voto é
um dos poucos casos em que o
cuidado na elaboração das
leis e na punição severa dos
que as ofenderem pode contribuir efetivamente para a erradicação dos maus costumes.
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